Mobilizações em defesa dos direitos sociais se espalham e convergem para jornada internacional de protestos, dia 29. Elas têm mais a ver com o resto do mundo — e o Brasil — do que se pensa
Algo novo e promissor, embora de resultado ainda incerto, está sacudindo o cenário político internacional, desde o início do mês. Ao terminarem as férias do hemisfério Norte, os trabalhadores e movimentos sociais europeus foram às ruas. Na França (foto), mais de 2,5 milhões manifestaram-se, em 7 de setembro, contra o aumento da idade mínima para a aposentadoria (só aos 67 anos será possível receber o benefício sem cortes, segundo os planos do governo). Novos protestos estão previstos para 23/9.
Os trabalhadores italianos consideram a possibilidade de uma greve geral. Tentativas de reduzir direitos, desencadeadas por empresas como a Fiat, já levaram os operários metalúrgicos a uma grande paralisação. No Reino Unido, as centrais sindicais decidiram, num congresso encerrado ontem (13/9), articular uma série de “greves coordenadas”, para combater cortes drásticos de investimentos públicos (e de postos de trabalho), decretados pelo governo de coalizão conservadora-liberal. Na Espanha, uma greve geral está convocada para uma semana depois. Enfrentará a redução dos direitos trabalhistas e de conquistas como a renda dos idosos, o subsídio para a criação dos filhos, a possibilidade de obter aposentadoria parcial, com menos tempo de serviço. No mesmo dia 29, estão previstas mobilizações coordenadas em toda a Europa e uma grande marcha em Bruxelas, sede da União Europeia.
As ações têm importância decisiva na Europa: uma série de textos publicada na revista virtual Outras Palavras revela que os governos do Velho Continente, liderados pela alemã Angela Merkel, estão reagindo da pior maneira possível diante de uma nova manifestação da crise financeira internacional. Sobreendividados por terem resgatado os grandes bancos e instituições financeiras, eles estão despejando suas dificuldades financeiras nas costas dos mais fracos. Adiam aposentarorias e reduzem o valor das pensões. Eliminam serviços públicos (com demissões e ou redução de salários dos servidores). Aumentam impostos (poupando as empresas e, escandalosamente, os mais ricos). É um alívio saber que tais planos estão sendo firmemente questionados.
Mas a repercussão dos protestos europeus é importante também em outras partes. As consequências da crise mundial que eclodiu em 2008 não se esgotaram. Delas dependerá, em parte, o sentido das próximas décadas. As respostas dos Estados e sociedades têm sido distintas. Em países como a China, Índia e Brasil, têm sido adotadas políticas opostas, em muitos aspectos, às europeias. Contrariando antigos dogmas econômicos, o setor público estimula diretamente a produção e o consumo. Nos Estados Unidos, há uma espécie de meio-termo perverso. Os direitos sociais não foram atacados, mas o governo Obama aposta na guerra e nos gastos militares como alavancas para relançar a economia [leia, em Outras Palavras, artigo de José Luís Fiori a respeito].
Estas opções podem não ser duradouras. A crise continua produzindo, em toda parte, desajustes e disputas. No Brasil, por exemplo, economistas e jornais conservadores passaram, há algumas semanas, a afirmar que terá de haver, após as eleições, um ajuste fiscal, com forte redução dos investimentos públicos. O argumento baseia-se numa confusão proposital. Ao contrário do que ocorre na Europa, a dívida pública brasileira está estabilizada (ou em discreta redução) desde 2003: caiu de 55% do PIB para cerca de 45%. O que existe, de fato, é um déficit externo: a sociedade, em seu conjunto, importa mais bens e serviços do do que exporta; setores empresariais endividados em dólares podem se tornar particularmente vulneráveis.
Há diversas alternativas para enfrentar o problema. Por trás da proposta de corte dos gastos públicos está, digamos, uma lógica europeia. O Estado assume, por diversos mecanismos, as dívidas privadas; e, ao reduzir ou debilitar os serviços públicos, descarrega-as sobre os mais necessitados.
Também por isso, vale prestar atenção às lutas das sociedades do Velho Continente. Ao desafiar as ações de seus governos, elas mostram: também lá são rechaçadas as ideias que se quer, sorrateiramente, impor em outras partes.
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