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As esperanças em Obama dão de cara com a realidade da crise mundial do capitalismo. | |
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Tomou posse, finalmente, “o primeiro presidente negro dos Estados Unidos”. A superstição, essa perfeita realização do idealismo burguês, atingiu níveis recordes de audiência. O culto global destes últimos meses à capacidade sobrenatural de um “grande homem” resolver os problemas do mundo (muito mais que o mago inglês Gordon Brown) é uma prova mais que suficiente da nossa tese que o modo de produção capitalista é a era do cálculo e da superstição. Já comentamos em outro boletim o suficiente para caracterizar o papel dessa figura absolutamente medíocre que atende pelo nome de Barack Hussein Obama*. |
“...Se cada hora vem com sua morte se o tempo é um covil de ladrões os ares já não são tão bons ares e a vida é nada mais que um alvo móvel você perguntará por que cantamos ...cantamos porque chove sobre o sulco e somos militantes desta vida e porque não podemos nem queremos deixar que a canção se torne cinzas. ...”. ( Mário Benedetti)
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
Obama: quando a superstição duela com a realidade
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
O próprio capitalismo esgotou o discurso neoliberal'. Entrevista especial com Luiz Filgueiras
especial com Luiz Filgueiras
“Essa crise é a maior de todas, porque não é apenas uma crise cambial de um país de periferia, que sofreu um ataque especulativo e os capitais começaram a sair, mas essa é uma crise do centro do sistema capitalista, a partir de um país hegemônico. Por isso, ela é gravíssima e continua se espalhando pelo mundo”, afirmou o economista Luiz Filgueiras, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line. Para ele, essa crise é ainda mais profunda do que a crise de 1929, que também abalou a estrutura financeira, cultural e moral dos Estados Unidos. Filgueiras argumenta que foi o próprio sistema capitalista, incentivado pelos governos estadunidenses, que gerou esse colapso e, portanto, será preciso criar um novo sistema para solucionarmos esse problema econômico.
Luiz Filgueiras é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia, onde também realizou o mestrado em Economia. É doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas. É pós-doutor pela Universidade de Paris, na França. Atualmente, é professor na UFBA. Junto com Reinaldo Gonçalves, publicou Economia Política do Governo Lula (Rio de Janeiro: Contraponto, 2007). É autor também de História do Plano Real (São Paulo: Boitempo, 2000)
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a natureza da crise econômica mundial: conjuntural ou estrutural?
Luiz Filgueiras – A crise tem elementos estruturais e conjunturais. Ela tem elementos estruturais porque é mais uma crise de superacumulação da economia capitalista. Portanto, ela é uma reprodução de fenômenos que ocorreram e ocorrem estruturalmente de tempos em tempos nesse sistema. E ela tem uma virulência enorme, a maior, com certeza, depois de 1929, e com o desenrolar pode ser ainda pior, pois ainda desconhecemos a sua profundidade. Trata-se de uma crise da lógica do funcionamento do próprio sistema capitalista.
Ao mesmo tempo, ela é uma crise específica, historicamente determinada pelas condições que o sistema capitalista vem operando nos últimos 30 anos, pelo menos. Temos um sistema capitalista com a predominância do capital-financeiro na sua dinâmica. Uma dinâmica que significa não só uma hegemonia do capital financeiro nas instituições financeiras, mas a própria financeirização dos grandes grupos industriais e produtivos, de tal maneira que esses grandes grupos também criaram instituições financeiras. A própria lógica interna de funcionamento deles é uma lógica de curto prazo, de descartabilidade, de volatilidade etc. Isso implica na reestruturação produtiva e no enxugamento das empresas.
Essa lógica financeira, comandando o capitalismo nos últimos 30 anos, teve como uma das características fundamentais a liberalização dos fluxos de capitais e da acumulação financeira. E isso criou fragilidades enormes e radicalizou uma tendência estrutural do próprio sistema capitalista, pois gerou o descolamento da esfera financeira da economia da esfera produtiva. Ao se unir essa hegemonia financeira com a política neoliberal de desregulamentação, com a liberalização e com a globalização financeira, tivemos a radicalização da tendência da economia capitalista de ter esse descolamento. Isso levou a crise a ter esse tamanho.
Essa crise é a maior de todas, porque não é apenas uma crise cambial de um país de periferia que sofreu um ataque especulativo e os capitais começaram a sair, mas essa é uma crise do centro do sistema capitalista a partir de um país hegemônico. Por isso, ela é gravíssima e continua se espalhando pelo mundo. Portanto, ela tem essa natureza estrutural e, ao mesmo tempo, uma dimensão cultural histórica que diz respeito a essa hegemonia financeira e neoliberal dos últimos anos.
IHU On-Line – Que espécie de paralelo nós poderíamos fazer em relação à crise de 1929 e a crise atual? O que elas têm de semelhanças e de diferenças?
Luiz Filgueiras – A semelhança é a lógica mais geral da crise dentro da perspectiva da análise marxista mais ampla, o que significa que esta é uma crise de superacumulação. O sistema econômico capitalista, empurrado pela competição e pela concorrência, no seu afã da busca pelo lucro, gera uma velocidade de acumulação que o próprio sistema não tem capacidade de digerir. Assim, cria-se uma crise de superacumulação de capitais, que pode se manifestar em superprodução de mercadorias, de máquinas e equipamentos, de papéis e, no limite, a crise significa um excedente de produção. Por isso, ela é semelhante à crise de 1929 e com virulência tão grande quanto.
Agora, a diferença é o início da crise, ou seja, quem a puxa. A de 1929 começou no sistema produtivo e acabou se desdobrando para a esfera financeira. A atual começa no sistema financeiro e começa a descer para o sistema produtivo. Então, para os trabalhadores do mundo inteiro – particularmente, para aqueles dos países emergentes – a crise está começando agora. Ou seja, a partir deste momento e durante 2009, é que os trabalhadores vão sentir a crise, porque ela começa a atingir a produção.
IHU On-Line – Por que há tanta dificuldade em interpretar a atual crise?
Luiz Filgueiras – A dificuldade maior é a falta de informação, porque o sistema ficou tão desregulado que os Bancos Centrais, as autoridades monetárias e as autoridades de governo não têm controle sobre o que se passou e o que se passa. Por isso, eles não sabem o volume de derivativos de produtos financeiros superestruturados, produtos extremamente enrolados. Por outro lado, os bancos também não divulgam exatamente o que está se passando. Então, no final das contas, a dificuldade maior é a falta de transparência do sistema financeiro que não evidencia exatamente o tamanho da crise que está ocorrendo.
IHU On-Line – O senhor acredita numa nova arquitetura financeira mundial?
Luiz Filgueiras – Eu acho que a crise chegou a esse nível exatamente porque não se tinha essa arquitetura financeira. A última caiu em 1970 e, de lá para cá, tivemos essa desregulamentação financeira total. Então, a crise também é produto disso, e a radicalidade dela também. Como o capital se internacionalizou numa velocidade enorme e numa difusão gigantesca, não tivemos estruturas financeiras de regulamentação e, com isso, o capital se move para o plano global. Por isso, precisamos de uma nova estrutura financeira. Se isso vai ser construído ou não, a partir dessa reunião do G20, “são outros quinhentos”.
A impressão que tenho é que o neoliberalismo se esgotou pelo próprio capital, ou seja, ele não foi derrotado por forças políticas contrárias. O próprio capitalismo esgotou o discurso neoliberal, a formulação ideológica do neoliberalismo. Do ponto de vista prático, ele está esgotado não só porque as coisas deram no que deram, mas porque, pelo discurso neoliberal, nós não saímos da crise. Pelo neoliberalismo não há propostas para sair da crise, só há propostas para se afundar ainda mais nela.
IHU On-Line – E o que podemos imaginar que ocupará o lugar do neoliberalismo?
Luiz Filgueiras – O sistema que será colocado no lugar vai demandar da ação das diversas forças políticas na conjuntura. Uma dessas forças políticas, que é fundamental, tem a ver com os Estados Unidos, porque eles estão com uma crise em sua hegemonia. Não é que esse país não tenha mais capacidade de liderar o capitalismo, mas sua hegemonia está extremamente esgaçada. A hegemonia significa ter, ao mesmo tempo, força militar e capacidade de direção política, moral, cultural. Mas os Estados Unidos perderam a capacidade de dirigir politicamente nesses últimos oito anos porque optaram pelo unilateralismo internacional.
Os Estados Unidos escantearam os parceiros tradicionais, não respeitaram a ONU, invadiram o Iraque à revelia de tudo e de todos, mataram Saddam Hussein, mentiram descaradamente. Perderam também a direção moral com essas mentiras e com a prisão de Guantánamo, etc. Então, desgastaram-se totalmente, inclusive culturalmente, pois seu modo de vida é destrutivo para o meio ambiente. O que restou da sua hegemonia? A força, a capacidade militar e a capacidade econômica. No entanto, com a crise, a hegemonia econômica foi altamente questionada, o que torna duvidosa também a ideologia do neoliberalismo.
O resultado disso foi a eleição do Obama, ou seja, a crise explicitou a incapacidade do país em relação ao que estava sendo feito. Obama foi eleito com uma das campanhas mais caras dos Estados Unidos e vem com uma resposta a esse novo momento. Então, além de todas as expectativas populares, Obama vem, sobretudo, na expectativa de recuperar a capacidade de direção política e cultural do país diante do resto do mundo. Essa natureza, juntamente com a ação de outros governos, é que vai dizer como será a saída para crise e o que será construído.
IHU On-Line – As respostas do Brasil à crise têm sido corretas?
Luiz Filgueiras – O governo brasileiro resiste até agora em assumir que o país está dentro da crise e aí é que está o problema. No início, Lula dizia que o Brasil não tinha nada a ver com a crise, que o problema era do Bush. Depois, disseram que a crise atingiria muito levemente. Mais tarde, começaram a tomar algumas medidas. Mesmo agora, o discurso não assume que o Brasil está inserido na crise. Uma hora, Guido Mantega diz que a crise é terrível e, em outro momento, diz que o pior já passou. O governo brasileiro está tão volátil quanto a bolsa de valores.
IHU On-Line – Qual sua opinião sobre a liberação do pacote para conter a crise ao mesmo tempo em que o governo argumenta que não há recursos para corrigir o déficit da aposentadoria?
Luiz Filgueiras – Aí está a contrapartida. Se os trabalhadores não se mobilizarem, a resposta da crise será dada só pelos “de cima”. Os “de baixo” ficarão desamparados, serão as vítimas do desemprego.
IHU On-Line – De que forma o Brasil pode se beneficiar com a crise?
Luiz Filgueiras – Creio que de nenhuma forma, porque a crise terá um efeito destruidor no balanço do parlamento brasileiro por causa do preço das commodities, que são os principais produtos de exportação do país. Teremos um problema muito sério, que vai levar à desaceleração da economia e ao aumento da taxa desemprego. A crise é uma reversão do ciclo econômico que começou em 2003. Agora, o crescimento vai parar, em função da recessão. O problema é como se defender da crise. Com o tipo de política econômica que temos, não há saída para ela, nem mesmo pelo mercado interno. Isso significaria a necessidade de balanço de pagamentos com maiores condições, o que só tende a piorar com a crise.
“Essa crise é a maior de todas, porque não é apenas uma crise cambial de um país de periferia, que sofreu um ataque especulativo e os capitais começaram a sair, mas essa é uma crise do centro do sistema capitalista, a partir de um país hegemônico. Por isso, ela é gravíssima e continua se espalhando pelo mundo”, afirmou o economista Luiz Filgueiras, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line. Para ele, essa crise é ainda mais profunda do que a crise de 1929, que também abalou a estrutura financeira, cultural e moral dos Estados Unidos. Filgueiras argumenta que foi o próprio sistema capitalista, incentivado pelos governos estadunidenses, que gerou esse colapso e, portanto, será preciso criar um novo sistema para solucionarmos esse problema econômico.
Luiz Filgueiras é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia, onde também realizou o mestrado em Economia. É doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas. É pós-doutor pela Universidade de Paris, na França. Atualmente, é professor na UFBA. Junto com Reinaldo Gonçalves, publicou Economia Política do Governo Lula (Rio de Janeiro: Contraponto, 2007). É autor também de História do Plano Real (São Paulo: Boitempo, 2000)
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a natureza da crise econômica mundial: conjuntural ou estrutural?
Luiz Filgueiras – A crise tem elementos estruturais e conjunturais. Ela tem elementos estruturais porque é mais uma crise de superacumulação da economia capitalista. Portanto, ela é uma reprodução de fenômenos que ocorreram e ocorrem estruturalmente de tempos em tempos nesse sistema. E ela tem uma virulência enorme, a maior, com certeza, depois de 1929, e com o desenrolar pode ser ainda pior, pois ainda desconhecemos a sua profundidade. Trata-se de uma crise da lógica do funcionamento do próprio sistema capitalista.
Ao mesmo tempo, ela é uma crise específica, historicamente determinada pelas condições que o sistema capitalista vem operando nos últimos 30 anos, pelo menos. Temos um sistema capitalista com a predominância do capital-financeiro na sua dinâmica. Uma dinâmica que significa não só uma hegemonia do capital financeiro nas instituições financeiras, mas a própria financeirização dos grandes grupos industriais e produtivos, de tal maneira que esses grandes grupos também criaram instituições financeiras. A própria lógica interna de funcionamento deles é uma lógica de curto prazo, de descartabilidade, de volatilidade etc. Isso implica na reestruturação produtiva e no enxugamento das empresas.
Essa lógica financeira, comandando o capitalismo nos últimos 30 anos, teve como uma das características fundamentais a liberalização dos fluxos de capitais e da acumulação financeira. E isso criou fragilidades enormes e radicalizou uma tendência estrutural do próprio sistema capitalista, pois gerou o descolamento da esfera financeira da economia da esfera produtiva. Ao se unir essa hegemonia financeira com a política neoliberal de desregulamentação, com a liberalização e com a globalização financeira, tivemos a radicalização da tendência da economia capitalista de ter esse descolamento. Isso levou a crise a ter esse tamanho.
Essa crise é a maior de todas, porque não é apenas uma crise cambial de um país de periferia que sofreu um ataque especulativo e os capitais começaram a sair, mas essa é uma crise do centro do sistema capitalista a partir de um país hegemônico. Por isso, ela é gravíssima e continua se espalhando pelo mundo. Portanto, ela tem essa natureza estrutural e, ao mesmo tempo, uma dimensão cultural histórica que diz respeito a essa hegemonia financeira e neoliberal dos últimos anos.
IHU On-Line – Que espécie de paralelo nós poderíamos fazer em relação à crise de 1929 e a crise atual? O que elas têm de semelhanças e de diferenças?
Luiz Filgueiras – A semelhança é a lógica mais geral da crise dentro da perspectiva da análise marxista mais ampla, o que significa que esta é uma crise de superacumulação. O sistema econômico capitalista, empurrado pela competição e pela concorrência, no seu afã da busca pelo lucro, gera uma velocidade de acumulação que o próprio sistema não tem capacidade de digerir. Assim, cria-se uma crise de superacumulação de capitais, que pode se manifestar em superprodução de mercadorias, de máquinas e equipamentos, de papéis e, no limite, a crise significa um excedente de produção. Por isso, ela é semelhante à crise de 1929 e com virulência tão grande quanto.
Agora, a diferença é o início da crise, ou seja, quem a puxa. A de 1929 começou no sistema produtivo e acabou se desdobrando para a esfera financeira. A atual começa no sistema financeiro e começa a descer para o sistema produtivo. Então, para os trabalhadores do mundo inteiro – particularmente, para aqueles dos países emergentes – a crise está começando agora. Ou seja, a partir deste momento e durante 2009, é que os trabalhadores vão sentir a crise, porque ela começa a atingir a produção.
IHU On-Line – Por que há tanta dificuldade em interpretar a atual crise?
Luiz Filgueiras – A dificuldade maior é a falta de informação, porque o sistema ficou tão desregulado que os Bancos Centrais, as autoridades monetárias e as autoridades de governo não têm controle sobre o que se passou e o que se passa. Por isso, eles não sabem o volume de derivativos de produtos financeiros superestruturados, produtos extremamente enrolados. Por outro lado, os bancos também não divulgam exatamente o que está se passando. Então, no final das contas, a dificuldade maior é a falta de transparência do sistema financeiro que não evidencia exatamente o tamanho da crise que está ocorrendo.
IHU On-Line – O senhor acredita numa nova arquitetura financeira mundial?
Luiz Filgueiras – Eu acho que a crise chegou a esse nível exatamente porque não se tinha essa arquitetura financeira. A última caiu em 1970 e, de lá para cá, tivemos essa desregulamentação financeira total. Então, a crise também é produto disso, e a radicalidade dela também. Como o capital se internacionalizou numa velocidade enorme e numa difusão gigantesca, não tivemos estruturas financeiras de regulamentação e, com isso, o capital se move para o plano global. Por isso, precisamos de uma nova estrutura financeira. Se isso vai ser construído ou não, a partir dessa reunião do G20, “são outros quinhentos”.
A impressão que tenho é que o neoliberalismo se esgotou pelo próprio capital, ou seja, ele não foi derrotado por forças políticas contrárias. O próprio capitalismo esgotou o discurso neoliberal, a formulação ideológica do neoliberalismo. Do ponto de vista prático, ele está esgotado não só porque as coisas deram no que deram, mas porque, pelo discurso neoliberal, nós não saímos da crise. Pelo neoliberalismo não há propostas para sair da crise, só há propostas para se afundar ainda mais nela.
IHU On-Line – E o que podemos imaginar que ocupará o lugar do neoliberalismo?
Luiz Filgueiras – O sistema que será colocado no lugar vai demandar da ação das diversas forças políticas na conjuntura. Uma dessas forças políticas, que é fundamental, tem a ver com os Estados Unidos, porque eles estão com uma crise em sua hegemonia. Não é que esse país não tenha mais capacidade de liderar o capitalismo, mas sua hegemonia está extremamente esgaçada. A hegemonia significa ter, ao mesmo tempo, força militar e capacidade de direção política, moral, cultural. Mas os Estados Unidos perderam a capacidade de dirigir politicamente nesses últimos oito anos porque optaram pelo unilateralismo internacional.
Os Estados Unidos escantearam os parceiros tradicionais, não respeitaram a ONU, invadiram o Iraque à revelia de tudo e de todos, mataram Saddam Hussein, mentiram descaradamente. Perderam também a direção moral com essas mentiras e com a prisão de Guantánamo, etc. Então, desgastaram-se totalmente, inclusive culturalmente, pois seu modo de vida é destrutivo para o meio ambiente. O que restou da sua hegemonia? A força, a capacidade militar e a capacidade econômica. No entanto, com a crise, a hegemonia econômica foi altamente questionada, o que torna duvidosa também a ideologia do neoliberalismo.
O resultado disso foi a eleição do Obama, ou seja, a crise explicitou a incapacidade do país em relação ao que estava sendo feito. Obama foi eleito com uma das campanhas mais caras dos Estados Unidos e vem com uma resposta a esse novo momento. Então, além de todas as expectativas populares, Obama vem, sobretudo, na expectativa de recuperar a capacidade de direção política e cultural do país diante do resto do mundo. Essa natureza, juntamente com a ação de outros governos, é que vai dizer como será a saída para crise e o que será construído.
IHU On-Line – As respostas do Brasil à crise têm sido corretas?
Luiz Filgueiras – O governo brasileiro resiste até agora em assumir que o país está dentro da crise e aí é que está o problema. No início, Lula dizia que o Brasil não tinha nada a ver com a crise, que o problema era do Bush. Depois, disseram que a crise atingiria muito levemente. Mais tarde, começaram a tomar algumas medidas. Mesmo agora, o discurso não assume que o Brasil está inserido na crise. Uma hora, Guido Mantega diz que a crise é terrível e, em outro momento, diz que o pior já passou. O governo brasileiro está tão volátil quanto a bolsa de valores.
IHU On-Line – Qual sua opinião sobre a liberação do pacote para conter a crise ao mesmo tempo em que o governo argumenta que não há recursos para corrigir o déficit da aposentadoria?
Luiz Filgueiras – Aí está a contrapartida. Se os trabalhadores não se mobilizarem, a resposta da crise será dada só pelos “de cima”. Os “de baixo” ficarão desamparados, serão as vítimas do desemprego.
IHU On-Line – De que forma o Brasil pode se beneficiar com a crise?
Luiz Filgueiras – Creio que de nenhuma forma, porque a crise terá um efeito destruidor no balanço do parlamento brasileiro por causa do preço das commodities, que são os principais produtos de exportação do país. Teremos um problema muito sério, que vai levar à desaceleração da economia e ao aumento da taxa desemprego. A crise é uma reversão do ciclo econômico que começou em 2003. Agora, o crescimento vai parar, em função da recessão. O problema é como se defender da crise. Com o tipo de política econômica que temos, não há saída para ela, nem mesmo pelo mercado interno. Isso significaria a necessidade de balanço de pagamentos com maiores condições, o que só tende a piorar com a crise.
As ilusões perdidas
Os economistas da chamada corrente principal, confessada a sua incapacidade de reconhecer bolhas de ativos amparadas em expansões alucinadas do crédito, compraram as ilusões do descolamento da China. Esquecidos de suas previsões sobre a quebra dos bancos chineses – segundo eles, carregados de ativos podres –, passaram a se agarrar ao crescimento do Império do Meio, assim como os náufragos ideológicos se desesperam para alcançar os escolhos de suas ideias.
Com o andar da carruagem, de tábua de salvação a China transfigurou-se em peso amarrado aos pés da economia global, agora condenada, inexoravelmente, ao mergulho recessivo. A tese do descolamento é mais uma prova das ilusões necessárias que contaminaram a visão de homens perspicazes e inteligentes, embotados pelos desatinos da euforia e das certezas das duas últimas décadas. Todos estavam, é verdade, corretos a respeito do fenômeno da globalização, ainda que errados na avaliação de suas implicações.
Senão, vejamos. A intensificação das relações de interdependência entre as economias nacionais, fomentada pelo poder econômico dos Estados Unidos, foi a marca registrada das duas últimas décadas de vigorosa (e perigosa) expansão capitalista.
Na verdade, desde o imediato pós-guerra, a regeneração do comércio internacional foi conduzida pela expansão da grande empresa, sob a liderança americana. Numa primeira etapa, a rearticulação proposta pela hegemonia americana, pautada nas regras de Bretton Woods, permitiu a reconstrução dos sistemas industriais da Europa e do Japão. Sob a égide da hegemonia americana, a industrialização de muitos países da periferia foi impulsionada pelo investimento produtivo direto estrangeiro, atraído, então, pelas políticas desenvolvimentistas dos Estados Nacionais.
No último quarto do século XX e começo do XXI, três movimentos centrais e interdependentes promoveram profundas transformações na economia global: a liberalização financeira e cambial, a mudança nos padrões de concorrência e a alteração das regras institucionais do comércio e do investimento, todos conducentes ao reforço do poderio econômico americano. A Ásia converteu-se num dos principais locus do investimento direto e da difusão acelerada do progresso técnico, levados a cabo pelo deslocamento da empresa transnacional desde os anos 1980. Este movimento de transnacionalização do espaço asiático, particularmente da China, foi também uma mudança de escala no processo de deslocalização da estrutura manufatureira americana para o resto do mundo.
Os otimistas chegaram a sustentar que a ampliação do déficit americano em conta corrente poderia continuar por mais uma década, escorado na disposição dos chineses de incorporar mais 200 milhões de trabalhadores nas indústrias voltadas para a exportação. Até completar o ciclo, os chineses estariam dispostos a defender o yuan desvalorizado e, portanto, a acumular reservas e adquirir títulos do Tesouro americano. Isso significaria evitar quaisquer alterações entre as taxas de câmbio nas relações intra-asiáticas, e, particularmente, bloquear mudanças no valor do yuan em relação ao dólar.
# Luiz Gonzaga Belluzzo
Com o andar da carruagem, de tábua de salvação a China transfigurou-se em peso amarrado aos pés da economia global, agora condenada, inexoravelmente, ao mergulho recessivo. A tese do descolamento é mais uma prova das ilusões necessárias que contaminaram a visão de homens perspicazes e inteligentes, embotados pelos desatinos da euforia e das certezas das duas últimas décadas. Todos estavam, é verdade, corretos a respeito do fenômeno da globalização, ainda que errados na avaliação de suas implicações.
Senão, vejamos. A intensificação das relações de interdependência entre as economias nacionais, fomentada pelo poder econômico dos Estados Unidos, foi a marca registrada das duas últimas décadas de vigorosa (e perigosa) expansão capitalista.
Na verdade, desde o imediato pós-guerra, a regeneração do comércio internacional foi conduzida pela expansão da grande empresa, sob a liderança americana. Numa primeira etapa, a rearticulação proposta pela hegemonia americana, pautada nas regras de Bretton Woods, permitiu a reconstrução dos sistemas industriais da Europa e do Japão. Sob a égide da hegemonia americana, a industrialização de muitos países da periferia foi impulsionada pelo investimento produtivo direto estrangeiro, atraído, então, pelas políticas desenvolvimentistas dos Estados Nacionais.
No último quarto do século XX e começo do XXI, três movimentos centrais e interdependentes promoveram profundas transformações na economia global: a liberalização financeira e cambial, a mudança nos padrões de concorrência e a alteração das regras institucionais do comércio e do investimento, todos conducentes ao reforço do poderio econômico americano. A Ásia converteu-se num dos principais locus do investimento direto e da difusão acelerada do progresso técnico, levados a cabo pelo deslocamento da empresa transnacional desde os anos 1980. Este movimento de transnacionalização do espaço asiático, particularmente da China, foi também uma mudança de escala no processo de deslocalização da estrutura manufatureira americana para o resto do mundo.
Os otimistas chegaram a sustentar que a ampliação do déficit americano em conta corrente poderia continuar por mais uma década, escorado na disposição dos chineses de incorporar mais 200 milhões de trabalhadores nas indústrias voltadas para a exportação. Até completar o ciclo, os chineses estariam dispostos a defender o yuan desvalorizado e, portanto, a acumular reservas e adquirir títulos do Tesouro americano. Isso significaria evitar quaisquer alterações entre as taxas de câmbio nas relações intra-asiáticas, e, particularmente, bloquear mudanças no valor do yuan em relação ao dólar.
# Luiz Gonzaga Belluzzo
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