terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Obama: quando a superstição duela com a realidade




José Martins




As esperanças em Obama dão de cara com a realidade da crise mundial do capitalismo.

Tomou posse, finalmente, “o primeiro presidente negro dos Estados Unidos”. A superstição, essa perfeita realização do idealismo burguês, atingiu níveis recordes de audiência. O culto global destes últimos meses à capacidade sobrenatural de um “grande homem” resolver os problemas do mundo (muito mais que o mago inglês Gordon Brown) é uma prova mais que suficiente da nossa tese que o modo de produção capitalista é a era do cálculo e da superstição. Já comentamos em outro boletim o suficiente para caracterizar o papel dessa figura absolutamente medíocre que atende pelo nome de Barack Hussein Obama*.

Além da superstição

Apenas um pequeno comentário a mais, além da cerimônia oficial da pomposa posse – na forma totalitária tradicional de mobilizações de grandes massas e discursos vazios de “grandes homens”, esta última ainda muito pior produzida e menos interessante do que as que faziam os departamentos de propaganda de outros “grandes homens” como Hitler, Mussolini, Perón, Getúlio... Acontece que agora é avassaladora a concentração de poder em uma única potência e a força atual da mídia é mil vezes maior que naquela época de totalitarismos bem mais ingênuos que os de agora.

É por isso que mais assustador ainda do que as cerimônias goebbelianas** da posse do “primeiro presidente negro dos EUA” foi como se produziu uma campanha midiática global de restauração dos “valores americanos”, da recuperação do “destino manifesto” dos EUA de levar a todos os cantos do mundo (com filmes de Spielberg ou com mariners, pouco importa) os seus sagrados valores políticos: liberalismo, individualismo, democratismo e... capitalismo. Presencia-se uma feroz tentativa burguesa de recuperação do “soft power”*** do império americano, seriamente danificado com as sapatadas iraquianas em Bush (ou no império americano?).

Esse é o lado real da coisa. Além da superstição do espetáculo esconde-se a necessidade premente de reorganização do poder imperialista de organizar a guerra e garantir a governança global. Mas isso não basta. Há uma coisa muito mais real (e mais do que imediata) a ser enfrentada. Redobrem a superstição, pois vão assistir cenas muito chocantes.

O mundo não pára!

Obama é a superstição. A crise econômica é a realidade. Alguém arrisca um palpite? Do mesmo jeitinho que o renegado George W. Bush, seu antecessor odiado pelo povo, Obama consegue de joelhos no Capitólio que os deputados aprovem mais um pacote para ativação da economia de aproximadamente $800 bilhões de dólares. Falta agora o Senado aprovar. Deve conseguir. Mas será mais difícil que na Câmara. Não bastará se ajoelhar, ele terá que beijar as botas dos senadores. A aura de “grande homem” ficará seriamente profanada. Mais cedo que se imaginava. Neste ritmo logo vai ter cidadão americano chamando “o primeiro presidente negro dos EUA” de Bush 2º.

Tem mais. A reação dos capitalistas dos outros países do mundo reunidos em Davos, Suíça, no Fórum Econômico Mundial, foi verdadeiramente raivosa ao saberem que no pacote de Obama havia um parágrafo altamente protecionista à indústria dos EUA: todo aço e outros equipamentos a serem consumidos nas obras de infraestrutura previstas no pacote devem ser comprados de siderúrgicas e indústrias estadunidenses.

Frente à raivosa reação do exterior (até Macunaíma da Silva chiou em Brasília, fazendo uma fervorosa defesa do livre comércio) Washington já deu sinais que recuará nesta pegadinha protecionista de Obama. Pegou mal. Muito mal. Assim, também no estrangeiro a imagem de “grande homem” sairá prejudicada. Precisa carregar mais no Soft Power, senão até o presidente do Suriname vai estar logo procurando um bom lugar na fila para dar a sua sapatada no “primeiro presidente negro dos EUA”.

O tamanho da trolha

O último pacote de Bush (houve outros anteriores) era mais ou menos do mesmo valor que este de Obama. Não deu grandes resultados. Por que? Há que se levar em conta o tamanho da trolha a ser desativada: o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA desabou 3.8% no quarto trimestre de 2008, noticiou dia 30/01/09 o Departamento do Comércio daquele país, salientando no relatório que essa é a maior queda do PIB em um único trimestre desde 1982. A nossa (da Crítica) perspectiva é que neste 1º trimestre (janeiro-março) o PIB leve um tombo de aproximadamente 6% anualizados. Que Marx nos ouça!

Seria uma aceleração catastrófica. Já analisamos dados no boletim anterior (ver aqui) que demonstram uma clara tendência ao derretimento da indústria dos EUA. São esses dados que puxam o PIB para baixo e balizam (além de outras considerações) aquela nossa previsão para o PIB no 2º trimestre. Com base nestes dados da indústria fizemos também uma arriscada (mas não exagerada) previsão de que se o ritmo de derretimento atual da indústria americana não for imediatamente estancado, e desde que a taxa de utilização da capacidade instaladataxa de desemprego nos EUA, que agora deve girar em torno de 7.5 e 8%, em dezembro de 2009 poderá se situar entre 25 e 30% da força de trabalho. Que Marx nos ajude (e muito)!

A indústria derrete

Exagero da nossa parte? Talvez. Mas veja o que está a acontecer, por exemplo, na Espanha. Dados do Instituto Nacional de Estadísticas (INE) do governo espanhol indicam que a taxa de desemprego do país pulou de 11.3% da população economicamente ativa no 3º trimestre de 2008 para 13.9% no 4º trimestre de 2008. É muita velocidade. Superou pela primeira vez a marca de 3,2 milhões de desempregados. Desde dezembro de 2007, o número de desempregados aumentou 1,3 milhão. Quer dizer, a massa de desempregados aumentou cerca de 60% em doze meses. O até recentemente festejado boom econômico espanhol que durou dez anos precisou de menos de seis meses para entrar em fulminante colapso.

É evidente que a economia espanhola tem suas diferenças com a dos EUA. Mas até aí morreu o Neves. É preciso justificar as afirmações. De todo modo, o que vai deixá-las mais parecidas do que em situações normais é justamente o possível (e cada vez mais provável) derretimento da indústria global.

Mas o que vai acontecer nos EUA não precisa de paralelos externos. Os demais países do mundo é que devem se preocupar com o paralelo da economia de ponta do sistema. Nos EUA deve ocorrer colapso possivelmente maior que o espanhol. Só no mês de dezembro passado as empresas cortaram 524 mil trabalhadores, para o total de 2,6 milhões cortados durante o ano de 2008. Cortaram em um único mês (no último do ano) cerca de 20% do total cortado no ano. Quer dizer, a velocidade do corte de empregos está se acelerando. Velocidade máxima.

Veremos neste mês de janeiro aceleração ainda maior – segundo a bloomberg.com “mais cortes estão acontecendo neste mês. Kodak, Target e Texas Instruments estão entre as empresas que anunciaram milhares de cortes nesta semana. PPG Industries Inc., a segunda maior fabricante mundial de equipamentos de pintura de carro, declarou nesta semana que deve cortar no mínimo 4500 trabalhadores, ou 10% da sua força de trabalho”. Em entrevista à Bloomberg, dia 27 de janeiro 2009, declara o diretor presidente da PPG Industries: “Provavelmente estamos assistindo a mais impetuosa desaceleração que qualquer um que trabalha em nossa companhia tenha visto.” Continua a matéria: “O desmoronamento (slump) da economia dos EUA se intensificou no último trimestre e as empresas se trancaram. Investimentos em bens de capital caíram ao ritmo de 19%, o maior desde 1975. Compra de equipamentos e software caíram ao ritmo de 28%, o maior em meio século” (30/01/2009).

E assim será até o fim deste ano. A maioria das empresas, segundo a Bloomberg.com, planeja cortar proximamente entre 10 e 12% dos seus quadros de funcionários. Faça as contas.

A trolha é global

Ninguém escapa. Veja o que se passa na segunda maior economia do planeta: “Com o afundamento da produção industrial em nível recorde, a deflação como um risco real e o maior aumento do desemprego em 42 anos, o Japão segue para uma profunda recessão, talvez a pior desde o final da 2ª Guerra Mundial. Completando o quadro, os grupos NEC e Hitachi anunciaram nesta sexta-feira a supressão de 27 mil postos de trabalho. O governo japonês divulgou nesta sexta-feira dados muito desalentadores de produção industrial, desemprego e Índice de Preços ao Consumidor (IPC) piores que o previsto para uma economia que já está oficialmente em recessão e para a qual se prevêem tempos ainda mais difíceis. Especialmente o resultado da produção industrial, uma queda de 9,6% - a maior desde 1953 – indica tempo ruim, pois significa que as fábricas japonesas cortarão ainda mais a produção, atingindo também o crescimento econômico e o emprego. Para janeiro, o governo prevê uma queda de 9,1% da produção industrial e um pouco menos, 4,7%, para fevereiro.” (Último Segundo, IG).

A podridão do sistema moribundo é o laboratório da vida. Não faltam cenas chocantes pelo mundo afora, como essas que retransmitimos dos EUA, Espanha e Japão. Não temos condições de listar tudo o que se passa em todos os países. Mas ninguém duvide que todos estejam envolvidos no redemoinho da crise. É por isso que ninguém pode afirmar que estamos exagerando em nossas avaliações para a economia global neste ano. Quem está exagerada é a realidade. Felizmente.

Mas os capitalistas e todos seus supersticiosos fiéis espalhados pelo mundo estão firmes na fé que serão salvos do apocalipse que se anuncia. Afinal, eles acabam de produzir e dar posse a um “grande homem” que vai guiá-los pelo deserto e salvar do desmoronamento essa podridão material que eles amam cegamente. Mas no meio do caminho existe uma pedra: a despudorada realidade material dança na rua loucamente no meio do redemoinho com cenas irrefutáveis (embora chocantes) demonstrando que os dias dos seus “grandes homens” estão contados. Aleluia!


* Ver “Obama: a realidade fala mais alto que o espetáculo” 3ª sem. Novembro 2008. Não vamos também aqui cair na tentação de explicar por quê pessoas tão inteligentes como o escritor Philip Roth, o professor de física teórica Marcelo Gleiser e tantos outros acreditam que “o primeiro presidente negro dos EUA” pode mudar o mundo. Como explicar essa crença de pessoas inteligentes no mito dos “grandes homens”? Mesmo Hegel, o grande filósofo alemão, ficava fascinado com a passagem de Napoleão pela Prússia comandando seu exército em direção à Rússia. Também não era Hegel que via o Estado como a manifestação de Deus na terra? Mas não se faz mais Napoleões (nem ideologias) como antigamente. Só a superstição, essa forma do idealismo plenamente desenvolvido do século 21, permite acreditar na capacidade sobrenatural de um indivíduo medíocre, conservador, que nunca escreveu nada, nunca falou nada, nunca fez nada que fosse verdadeiramente interessante. Vire e revire o discurso de posse do “primeiro presidente negro dos EUA”. O ponto alto destacado pela mídia foi uma frase que teria a mesma força do “eu tenho um sonho” de Martin Luther King. Veja (e ame, se for capaz) a frase do novo grande líder: “Vocês vieram por acreditar no que este pais pode ser e vão nos ajudar a chegar lá”. Não é uma coisa linda? Será que Philip Roth também ficou emocionado?

** Referente a Joseph Goebbels, Ministro do Povo e da Propaganda de Hitler, na Alemanha.

*** Soft Power quer dizer, na linguagem das relações internacionais, força (ou poder) de hegemonia e dominação de idéias forjadas e valores culturais de um determinado Estado nacional sobre outros. Complementa e sempre acompanha, necessariamente, o hard Power, a capacidade militar propriamente dita.

* Este texto foi publicado no boletim Crítica Semanal da Economia.

2 comentários:

  1. E os títulos do José Martins são sempre um espetáculo a parte! :p

    Esse é o boletim mais novo da Crítica Semanal?

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  2. EU QUERIA SABER QUAL É A DANÇA TIPICA DOS ESTADOS UNIDOS.

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