terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

As ilusões perdidas


Os economistas da chamada corrente principal, confessada a sua incapacidade de reconhecer bolhas de ativos amparadas em expansões alucinadas do crédito, compraram as ilusões do descolamento da China. Esquecidos de suas previsões sobre a quebra dos bancos chineses – segundo eles, carregados de ativos podres –, passaram a se agarrar ao crescimento do Império do Meio, assim como os náufragos ideológicos se desesperam para alcançar os escolhos de suas ideias.

Com o andar da carruagem, de tábua de salvação a China transfigurou-se em peso amarrado aos pés da economia global, agora condenada, inexoravelmente, ao mergulho recessivo. A tese do descolamento é mais uma prova das ilusões necessárias que contaminaram a visão de homens perspicazes e inteligentes, embotados pelos desatinos da euforia e das certezas das duas últimas décadas. Todos estavam, é verdade, corretos a respeito do fenômeno da globalização, ainda que errados na avaliação de suas implicações.

Senão, vejamos. A intensificação das relações de interdependência entre as economias nacionais, fomentada pelo poder econômico dos Estados Unidos, foi a marca registrada das duas últimas décadas de vigorosa (e perigosa) expansão capitalista.

Na verdade, desde o imediato pós-guerra, a regeneração do comércio internacional foi conduzida pela expansão da grande empresa, sob a liderança americana. Numa primeira etapa, a rearticulação proposta pela hegemonia americana, pautada nas regras de Bretton Woods, permitiu a reconstrução dos sistemas industriais da Europa e do Japão. Sob a égide da hegemonia americana, a industrialização de muitos países da periferia foi impulsionada pelo investimento produtivo direto estrangeiro, atraído, então, pelas políticas desenvolvimentistas dos Estados Nacionais.

No último quarto do século XX e começo do XXI, três movimentos centrais e interdependentes promoveram profundas transformações na economia global: a liberalização financeira e cambial, a mudança nos padrões de concorrência e a alteração das regras institucionais do comércio e do investimento, todos conducentes ao reforço do poderio econômico americano. A Ásia converteu-se num dos principais locus do investimento direto e da difusão acelerada do progresso técnico, levados a cabo pelo deslocamento da empresa transnacional desde os anos 1980. Este movimento de transnacionalização do espaço asiático, particularmente da China, foi também uma mudança de escala no processo de deslocalização da estrutura manufatureira americana para o resto do mundo.

Os otimistas chegaram a sustentar que a ampliação do déficit americano em conta corrente poderia continuar por mais uma década, escorado na disposição dos chineses de incorporar mais 200 milhões de trabalhadores nas indústrias voltadas para a exportação. Até completar o ciclo, os chineses estariam dispostos a defender o yuan desvalorizado e, portanto, a acumular reservas e adquirir títulos do Tesouro americano. Isso significaria evitar quaisquer alterações entre as taxas de câmbio nas relações intra-asiáticas, e, particularmente, bloquear mudanças no valor do yuan em relação ao dólar.

# Luiz Gonzaga Belluzzo

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