Randy Alonso Falcón |
Qui, 10 de junho de 2010 17:45 |
Chegaram ao Hotel Dolce em carros de luxo com vidros escuros ou em helicópteros. Passaram sem problemas e no anonimato pela férrea barreira policial que controlava o acesso à instalação turística do afamado povoado de Sitges, em Barcelona, Espanha. Eram os mais de 100 hierarcas da economia, das finanças, da política e dos meios de comunicação, da América do Norte e da Europa, que vieram a esse lugar para a reunião anual do Clube de Bilderberg, uma espécie de governo mundial na penumbra.
Durante o fim de semana, os encobertos personagens trocaram opiniões entre si, no mais estrito sigilo, como o exigem os cânones do seleto e quase clandestino fórum.
Um Clube do capital e contra o comunismo
O exclusivo Clube que se reuniu em Sitges nasceu em 1954. Surgiu da ideia do conselheiro e analista político Joseph Retinger1. Seus impulsionadores iniciais foram o magnata norte-americano David Rockefeller2, o Principe Bernardo da Holanda3 e o Primeiro-ministro belga Paul Van Zeeland4 . Seus propósitos fundacionais eram combater o crescente "anti-norte-americanismo" que havia na Europa da época e enfrentar a União Soviética e o comunismo, que cobrava força no Velho Continente.
Para isso, convocar-se-ia a flor e a nata do empresariado, das finanças, da política e dos meios de comunicação, os quais discutiriam e buscariam consensos sobre os grandes temas de interesse para o capitalismo estadunidense e europeu, e transmitiriam suas visões econômicas e energéticas e suas estratégias política e militar aos governos e organismos internacionais.
Hotel Bilderberg, Holanda
Sua primeira reunião se celebrou no Hotel Bilderberg, em Osterbeck, Holanda, em 29 e 30 de maio de 1954. Daí saiu o nome do grupo, que desde então se reúne anualmente, com a exceção de 1976.
Para sua conferência privada anual, o grupo convida umas 100 personalidades influentes, exclusivamente da Europa e da América do Norte. Há um núcleo de filiados permanentes, que são os 39 membros do Steering Comittee; o resto são os convidados. Na convocatória dos eleitos, diz-se que a organização exige que ninguém "conceda entrevistas" nem revele nada do que "um participante individual diga". É requisito imprescindível um domínio excelente da língua inglesa para poder tomar parte ativa nos debate, pois não há tradutores.
Até 1976, o Grupo Bilderberg foi presidido pelo príncipe Bernardo da Holanda. À raíz do escândalo suscitado pelos subornos da Companhia Lockheed, nos quais se viu envolvido como principal implicado, ele deixou a presidência do Grupo, sendo substituído por Douglas Home, ministro do Exterior britânico, que permaneceu no cargo até 1980. A Home lhe sucedeu Walter Scheel, ministro de Assuntos Exteriores e, posteriormente, presidente da República Federal Alemã, que assumiu a chefia até 1985, ano em que foi relevado pelo britânico Eric Roll, presidente do grupo bancário S.G.Warburg. Este último deu passagem em 1989 a Peter Rupert, mais conhecido como Lord Carrington, ex-secretário-geral da OTAN e ex-ministro de vários governos britânicos.
O atual presidente do Clube é o político e negociante belga Étienne Davignon5.
Poder, Intriga e Influência
Não se sabe a ciência certa o alcance real do grupo. Os estudiosos do ente dizem que não é casualidade que se reúnam sempre pouco antes que o G-8 (G-7 anteriormente) e que buscam uma nova ordem mundial de governo, exército, economia e ideología únicos.
Em tal sentido, resultam bem esclarecedoras as expressões que não faz muito tempo emitiram dois destacados bilderbergers:
David Rockefeller
David Rockefeller disse, numa reportagem, à revista "Newsweek": "Algo deve substituir os governos, e o poder privado parece-me a entidade adequada para fazê-lo".
Por sua parte, o banqueiro James P. Warburg afirmou: "Goste ou não goste, teremos um governo mundial. A única questão é se será por concessão ou por imposição".
A jornalista Caroline Moorehead (The Times) qualificou o grupo em 1977 como "um clube exclusivo, quiçá sem poder, mas, sem dúvida, com influência", e afirmou que "se reúnem secretamente para planejar acontecimentos que mais tarde parecem que simplesmente aconteceram".
Pilar Urbano6, biógrafa da Ranhia da Espanha, disse que ouviu a soberana falar sobre o Clube faz uma década e desde então aumentou seu interesse por essa entidade, na mesma medida em que as coisas que se diziam em suas reuniões cumpriam-se inexoravelmente. "Sim... Há dez anos debate-se uma coisa que logo termina por se levar a efeito. Começa-se a pensar que não se está ante simples opinões ou conjeturas, mas ante um projeto". Como exemplo desses temas elocubrados nas reuniões de Bilderberg, a escritora assinala "a grande alta que experimentou o preço do petróleo, a liderança de Merkel ou o triunfo de Obama estavam cronometrados e se foram cumprindo como numa ginástica sueca".
"Eles conheciam com 10 meses de antecedência a data exata da invasão do Iraque; também o que se passaria com a borbulha imobiliária. Com informações como essas, pode-se ganhar muito dinheiro em toda classe de mercados. E é o que falamos de clubes de poder e de saber".
Para os estudiosos, um dos temas que mais preocupa o Clube é a "amenaça econômica" que significa a China e sua repercussão nas sociedades norte-americana e europeia.
Sua influência na elite, demonstram-na alguns com o fato de que Margaret Thatcher, Bill Clinton, Anthony Blair e Barack Obama estiveram entre os convidados do Clube antes de que fossem eleitos ao mais alto cargo governamental na Grã Bretanha e nos Estados Unidos. Obama acudiu à reunião de junho de 2008 na Virgínia, EEUU, cinco meses antes de seu triunfo eleitoral, e sua vitória se prognosticava já desde a reunião de 2007.
Nas reuniões do Grupo estiveram também Gerald Ford, Henry Kissinger, Hillary Clinton, Znibiew Brzezinski, Sandy Berger, John Kerry e outros influentes personagens estadunidenses.
Conciliábulo em Barcelona
Hotel Dolce, em Sitges
Pouco se disse do encontro em Sitges. A agenda era secreta; a lista de convidados, confusa; as conclusões, para exclusivo conhecimento dos participantes.
Em meio a tanto sigilo, a imprensa foi tirando nomes por aqui e por ali. Entre os que chegaram a Sitges estavam importantes empresários como os presidentes de empresas como FIAT, Coca Cola, France Telecom, Telefónica de España, Suez, Siemens, Shell, Novartis e Airbus.
Também se reuniram gurus das finanças e da economia como o famoso especulador George Soros, os assessores econômicos de Obama Paul Volcker e Larry Summers, o flamante Secretário do Tesouro Britânico George Osborne, o ex-presidente de Goldman Sachs e British Petroleum Peter Shilton, o ex-comissário europeu e ex-ministro espanhol Pedro Solbes, os diretores de Goldman Sachs, Morgan Stanley e Societé Gènérale. Junto com eles, o Presidente do Banco Mundial Robert Zoellic, o Diretor Geral do FMI Dominique Strauss-Kahn, o Diretor da Organização Mundial do Comércio Pascal Lamy, o Presidente do Banco Central Europeu Jean Claude Trichet, o Presidente do Banco Europeu de Investimentos Philippe Maystad. As finanças hispânicas estiveram representadas por Ana Patricia Botín, presidenta do Banesto e filha do Presidente do Banco Santander, Juan María Nin, Diretor Geral da Caixa, e Matías Rodríguez Inciarte, Vice-presidente do Santander.
Alguns meios de comunicação falam da presença do Secretário norte-americano do Tesouro Timothy Gaithner, outros assinalam a participação de Peter Orzag, diretor do Escritório de Administração e Orçamento.
Governantes e políticos estiveram também no encontro catalão. Os jornais falam do Conselheiro de Segurança Nacional General James Jones, do Subsecretário de Estado norte-americano James Stesnberg, do funesto Henry Kissinger, do enviado especial norte-americano para o Afeganistão e o Paquistão Richard Holbrooke, do Presidente da Áustria Heinz Fischer, do Primeiro-ministro francês Francois Fillon, do Ex-primeiro-ministro italiano e Ex-presidente da Comissão Europeia Romano Prodi, do Vice-presidente da Comissão Europeia Joaquín Almunia e do Presidente da Generalitat catalã José Montilla.
O poder militar enviou alguns de seus falcões: o ex-secretário de Defesa de Bush Donald Rumsfeld, seu subalterno Paul Wolfowitz, o Secretário Geral da OTAN Anders Fogh Rasmussen e seu antecessor no cargo Jaap de Hoop Scheffer.
Os meios de manipulação (ditos de comunicação) jogaram também neste poder na penumbra. Não podiam faltar o Presidente e o Conselheiro Delegado do Grupo Prisa (dono do jornal espanhol El País) Ignacio Polanco e Juan Luis Cebrián, e os representantes de outros grandes meios como The Washington Post, The New York Times, The Economist, Die Zelt e Le Nouvel Observateur. Tampouco poderia faltar ao encontro o magnata dos meios de comunicação Rupert Murdoch.
As monarquias europeias também abençoaram a reunião com sua presença. A Rainha Sofía da Espanha, a Rainha Beatriz da Holanda e o Príncipe Felipe da Bélgica tomaram parte nos debates.
O magnata da era digital Bill Gates foi o único participante que falou algo para a imprensa antes do encontro. "Sou um dos que estará presente", disse, e anunciou que "Sobre a mesa haverá muitos debates financeiros".
Que haverá saído dos segredos de tantos personagens poderosos e influentes?
Irradiando poder e crise
Esta é a segunda vez que a Espanha acolhe o Clube de Bilderberg. Anteriormente, foi no balneário de La Toja, em Pontevedra, Galicia, em 1989, sob o mandato de Felipe González.
Policiais uniformizados isolaram a zona onde
se reuniu o exclusivo Grupo de Bilderberg
Para esta ocasião, o encontro custou uns 150 mil euros diários ao governo de Zapatero. Mais de 300 membros da Policia Nacional, a local, a Guarda Civil e os Mossos d´Esquadra formaram uma muralha impenetrável ao redor do luxuoso hotel de Sitges. Os vizinhos do lugar precisaram ser identificados e proibiram-lhes as visitas e o uso de câmaras fotográficas durante esses dias.
O Sindicato de Mossos d´Esquadra emitiu na sexta-feira, 4 de junho, um comunicado denunciando "o grande desperdício" que as medidas de segurança implicaram. "Não se entende que em plena crise, quando os governos impuseram um corte salarial a todos os funcionários, escudando-se na crise econômica, agora se dedique a enviar centenas de mossos a cobrir um ato não oficial e a gerar um gasto cifrado em milhares de euros que deverão ser pagos pelos fundos públicos".
E, precisamente, da crise que vive Espanha e uma boa parte da Europa, diz-se que se falou entre os Bilderbergs. O Presidente José Luis Rodríguez Zapatero compartilhou umas horas com eles, falando sobre os planos anti-crise da Espanha e tratando de gerar confiança nos mercados e nos investidores internacionais, a poucos dias do vencimento de uma boa porcentagem da dívida espanhola. Dando uma mão ao Presidente do Gobierno em suas explicações aos notáveis, esteve seu braço direito Bernardino León, Diretor Geral da Presidência, assíduo participante do Clube nos últimos anos
O jornal britânico The Guardian viu o encontro espanhol dos poderosos com fina ironia: "No ano passado o Bildeberg teve lugar em Vouligmeni, na costa sul da Grécia. Participaram o ministro da Economía, o de Assuntos Exteriores e o governador do Banco Nacional da Grécia. Poucos meses depois, a Grécia estava em bancarrota e Atenas em chamas. Assim que: boa sorte, Madrid!"
Ditadura Global
Centenas de ativistas se reuniram em
Sitges para protestar contra a reunião
Os participantes de Sitges já regressaram a casa. Nada se sabe dos resultados finais do encontro. O concilio dos poderosos não deve contas a ninguém. Já aparecerão indícios no futuro.
Os especuladores da notícia falam que o poder na penumbra analisou o futuro do euro e as estratégias para salvá-lo, a situação da economia europeia e o rumo da crise. Sob a religião do mercado, e com o auxílio dos drásticos cortes sociais, se quer continuar prolongando a vida do doente.
O Coordenador da Esquerda Unida Cayo Lara definiu com clareza o mundo que nos impõem os Bildeberg: "Estamos no mundo ao revés; as democracias controladas, tuteladas e pressionadas pelas ditaduras dos poderes financeiros".
Outro dos temas abordados parece ser o Afeganistão. Richard Holbrooke7 declarou na segunda-feira em conferência de imprensa que na reunião do Clube jantou com Zapatero, falaram sobre a situação no país asiático e agradeceu- lhe pela presença militar espanhola naquela nação.
O mais perigoso, que saiu à luz no jornal espanhol Público, é o consenso majoritário dos membros do Clube a favor de um ataque norte-americano ao Irã, ainda que alguns convidados europeus tenham expressado sua oposição. Será o prelúdio da nova guerra do império? Vale recordar que os membros do Clube sabíam a data exata da invasão ao Iraque de 2003 dez meses antes de que ocurrera. E agora?
Notas:
1 Józef Hieronim Retinger (Joseph Retinger, 1888-1960), de origem judaico-polaca, foi assessor de assuntos internacionais e lobista fundador do Movimento Europeu, antecessor da União Europeia, co-fundador da Liga Europeia de Cooperação Econômica e figura chave na criação do clube Bilderberg. Foi também um dos mais influentes lobistas internacionais do sionismo.
2 David Rockefeller, nascido em 12 de junho de 1915, é um célebre banqueiro estadunidense, patriarca da conhecida família Rockefeller. É o único filho vivo de John D. Rockefeller Jr. e neto do multibilionário magnata do petróleo John D. Rockefeller, fundador da Standard Oil. Seus cinco irmãos, já falecidos, foram: Abby, John D. Tercero, Nelson, Laurance e Winthrop.
3 Bernardo de Lippe-Biesterfeld (1911-2004) foi príncipe consorte dos Países Baixos, após seu matrimônio com a rainha Juliana dos Países Baixos, e é pai da atual soberana Beatriz I dos Países Baixos. Nasceu com o nome e título de Sua Alteza Real o Conde Bernhard Leopold Friedrich Eberhard Julius Kurt Karl Gottfried Peter de Lippe-Biesterfeld (posteriormente elevado ao grau de Príncipe).
4 Paul van Zeeland (1893 - 1973) foi um político belga que ocupou o lugar de primeiro-ministro da Bélgica (ou Ministro-Presidente) de 25 de março de 1935 a 24 de novembro de 1937.
5 Étienne Davignon, visconde de Davignon, nascido em Budapest, Hungría, em 4 de outubro de 1932, é um político e empresário belga que. foi vice-presidente da Comissão Europeia de 1981 a 1985. Depois de haver participado das reuniões anuais do Grupo de Bilderberg desde 1974, tornou-se seu presidente honorário em 1999, cargo que continua desempenhando na atualidade.
6 Pilar Urbano, jornalista e escritora espanhola que.nasceu em Valencia, em 1940, atualmente publica suas colaborações no jornal espanhol El Mundo.
7 Richard Holbrooke é um diplomata norte-americano que, como enviado estadunidense, negociou o cessar-fogo na Bósnia e em Kosovo, nos anos 1995-1996. É o enviado especial de Obama ao Afeganistão e ao Paquistão. Criou o termo Af-Pak para designar um teatro de operações único, englobando Afeganistão e Paquistão.
Fontes: Público, El País, The Guardian, Xornal de Galicia, Wikipedia, Noticias de Gipuzkoa, Rebelión, La Voz de Galicia.
Randy Alonso Falcón é jornalista cubano, diretor do programa "Mesa Redonda" da Televisão Cubana e do sítio Cubadebate