quinta-feira, 17 de junho de 2010

A Copa do Mundo e a romantização da pobreza


Thiago Hastenreiter, de Santos (SP)



• O mundo assiste o continente africano sediar pela primeira vez a Copa do Mundo de futebol. O berço da humanidade, que teve suas riquezas naturais saqueadas, seus homens e mulheres raptados e transformados em escravos-mercadorias, andava esquecido, submersa nas epidemias de AIDS, até que a África do Sul se tornasse palco do maior espetáculo da Terra.

Muitos duvidaram desse feito, inclusive o atrapalhado (com as palavras) Pelé. Em janeiro desse ano, o ônibus da delegação do Togo, que participava da Copa Africana, sofreu um atentado terrorista realizado por uma organização angolana, o que levou muita desconfiança sobre as reais possibilidades da África do Sul sediar um evento desse porte.

Mas hoje a Copa é uma realidade e África do Sul pavimenta uma estrada que será percorrida amanhã pelo Brasil. O mundo parece redescobrir a África, e a mídia trata de romantizá-la, destacando a euforia de seu povo, suas danças típicas, sua fauna exuberante, seus rituais religiosos obscurantistas e suas “harmoniosas” vuvuzelas.

Os responsáveis pela condição de lumpenização do continente africano, onde as populações esperam cair dos céus os mantimentos para sobreviverem mais um dia, são os mesmos que exaltam a riqueza cultural desse povo sofrido. A pobreza aparece como algo abstrato, vindo quase do além, e é na prática varrida para debaixo do tapete. Para quem não sabe, milhares de famílias foram removidas de suas residências e submetidas a condições ainda piores, em casas de lata de 18m², para não estragar a paisagem no percurso entre os aeroportos e os grandes centros.

Muito se falou das greves da construção civil que ameaçaram o levantamento dos novos estádios meses antes do início da Copa, mas não foi divulgado em que condições trabalhavam esses operários. O salário desses trabalhadores era de 4,50 rands, ou R$1,10 por hora! Esses operários que ergueram verdadeiros santuários do futebol ficarão do lado de fora dos estádios, e assistirão às partidas pela televisão. Ao mesmo tempo tão perto e tão longe do show.

O clima passado pelos repórteres estrangeiros é de como se tivessem vivendo uma aventura, um safári onde, a todo momento, esbarram com o exótico povo africano. O regime do Apartheid, de segregação racial e social, abolido oficialmente em 1990, ganhou uma nova roupagem, muito mais amena, pretensamente mais simpática, mas não menos preconceituosa.

Tratam o racismo como um problema do passado. Antes havia banheiros separados para brancos e para negros. Escolas para brancos e escolas para negros. E hoje todos freqüentam os mesmos lugares. Isso é mentira. Os negros continuam guetizados em seus bairros e ocupam os mais baixos estratos sociais. Enquanto a elite, dona das grandes corporações capitalistas, é branca. Isso é um fato.

Sem dúvida, a revolução democrática que colocou abaixo o regime segregacionista do Apartheid foi uma vitória colossal das massas. No entanto, essa revolução que poderia ganhar um conteúdo também social, foi freada e desviada para dentro da institucionalidade burguesa, através da eleição de Nelson Mandela em 1994. Aí está o motivo pelo qual o imperialismo reverencia tanto a figura de Mandela. Ninguém melhor que o líder negro, que esteve preso por mais de 30 anos, que tinha como lema "Unam-se! Mobilizem-se! Lutem! Entre a bigorna que é a ação da massa unida e o martelo que é a luta armada devemos esmagar o apartheid!", para pregar a conciliação e a paz entre as classes historicamente antagônicas.

Terminada a Copa da África os olhos se voltarão para o Brasil. 2014 é logo ali. Aí, mais uma vez, a pobreza será relativizada e ganhará a melodia do samba, da “mulata” e do futebol.


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