Se cada hora vem com sua morte
se o tempo é um covil de ladrões
os ares já não são tão bons ares
e a vida é nada mais que um alvo móvel
você perguntará por que cantamos
se nossos bravos ficam sem abraço
a pátria está morrendo de tristeza
e o coração do homem se fez cacos
antes mesmo de explodir a vergonha
você perguntará por que cantamos
se estamos longe como um horizonte
se lá ficaram as árvores e céu
se cada noite é sempre alguma ausência
e cada despertar um desencontro
você perguntará por que cantamos
cantamos porque o rio esta soando
e quando soa o rio / soa o rio
cantamos porque o cruel não tem nome
embora tenha nome seu destino
cantamos pela infância e porque tudo
e porque algum futuro e porque o povo
cantamos porque os sobreviventes
e nossos mortos querem que cantemos
cantamos porque o grito só não basta
e já não basta o pranto nem a raiva
cantamos porque cremos nessa gente
e porque venceremos a derrota
cantamos porque o sol nos reconhece
e porque o campo cheira a primavera
e porque nesse talo e lá no fruto
cada pergunta tem a sua resposta
cantamos porque chove sobre o sulco
e somos militantes desta vida
e porque não podemos nem queremos
deixar que a canção se torne cinzas.
Gosto muito deste poema, ele retrata bem a alma guerreira de quem não se curva e não se cansa diante da luta, usa palavras e ideias, sem imposição, vai conquistando e vai seguindo em frente. Desconfio daqueles líderes que impõe ideias com pressão e medo, cujas lutas matam pessoas, matar alguém jamais. A violência é contraditória quando falamos em amor, em evolução, em emancipação dos preconceitos.
ResponderExcluirQue maravilha esse poema de Mário Benedetti e que humana lucidez tem seu comentário. É um eco necessário que tão pouco retorno tem!
ResponderExcluir