domingo, 31 de maio de 2009


sexta-feira, 29 de maio de 2009

Marx, as crises e a "desregulação financeira"


A causa das crises econômicas, do ponto de vista marxista, é sempre o excesso de acumulação de capital, que, a partir de determinado momento, não encontra condições de se realizar. Ao permitir a queima de capital, as crises liberam espaço para a continuidade do processo de acumulação. Há quase três décadas, porém, o capitalismo vem sendo comandado pelo lado financeiro, e isso introduziu mudanças significativas na forma de operar do sistema. O artigo é da economista Leda Paulani, o terceiro da série "Marxismo e Século XXI", organizada pela Carta Maior, com curadoria de Chico de Oliveira.
Leda Paulani
No terceiro texto da Série ‘Marxismo e Século XXI” - seminário virtual organizado por Carta Maior, com curadoria do sociólogo Chico de Oliveira - a economista Leda Paulani aborda a conceituação das crises cíclicas do capitalismo. Ela explica que Marx enxerga nas crises uma característica definidora do capitalismo, o modo pelo qual o sistema funciona, não o modo pelo qual ele falha. A causa das crises, do ponto de vista marxista, é sempre o excesso de acumulação de capital, que, a partir de determinado momento, não encontra condições de se realizar. Ao permitir a queima de capital, as crises liberam espaço para a continuidade do processo de acumulação. Há quase três décadas, porém, o capitalismo vem sendo comandado pelo lado financeiro, e isso introduziu mudanças significativas na forma de operar do sistema. Leia o artigo de Leda Paulani.Em artigo de seu clássico livro The Wordly Philosophers, Robert Heilbroner afirma que, conforme Marx, as crises servem para renovar a capacidade de expansão do sistema, sendo assim o modo pelo qual ele funciona, não o modo pelo qual ele falha. Não há forma mais concisa para expressar o que pensava o profeta mouro desses fenômenos.Bem ao contrário do que postula a economia convencional, para a qual o estado normal da economia capitalista é a harmonia e o equilíbrio, sendo as crises momentos incomuns, rapidamente corrigidos se o mercado for deixado em paz, Marx enxerga nesses eventos a característica definidora do capitalismo. Vendo-o como um sistema complexo e dinâmico, movido a contradições, esses episódios são, para ele, tão naturais quanto necessários. Na visão de Marx, a crise é o momento em que as contradições se materializam e exigem solução, sob pena de se comprometer a viabilidade do sistema. A causa das crises é sempre o excesso de acumulação de capital, que, a partir de determinado momento, não encontra condições de se realizar. Ao permitir a queima de capital, as crises liberam o espaço para a continuidade do processo de acumulação. Tanto nos momentos de aceleração e auge quanto nos de desaceleração e crise, o lado produtivo e o lado financeiro operam combinadamente, cabendo ao último um papel multiplicador, pois ele tende a inflar a economia nos momentos de crescimento, tornando mais profundos, por conseqüência, os momentos de crise. Mas o pressuposto aí é que o lado produtivo comande o processo (o que não significa que ele possa por isso ficar imune ao trabalho amplificador que o lado financeiro produz).Há quase três décadas, porém, o capitalismo vem sendo comandado pelo lado financeiro, e isso introduziu mudanças significativas na forma de operar do sistema. A riqueza financeira, constituída em boa parte por aquilo que Marx denominou capital fictício, cresce exponencialmente, enquanto o crescimento da renda real (PIB) e, por conseguinte, da riqueza real, dá-se de modo muito mais lento. Com isso, o sistema fica estruturalmente frágil, dado que o caráter rentista da propriedade do capital se choca com o desenvolvimento vagaroso da produção de valor excedente. As pressões que se exercem sobre o setor produtivo são por isso enormes, justificando toda sorte de barbarismos e retrocessos na relação capital-trabalho. Ademais, o sistema fica muito mais exposto às crises provocadas pelos movimentos dos estoques de riqueza (ativos), que caracterizam o lado financeiro do sistema. Dos anos 1980 para cá, o capitalismo já experimentou pelo menos cinco grandes crises, contando a maior delas, esta que ora presenciamos. Todas essas conturbações foram provocadas pela intensa mobilidade do capital financeiro planeta afora, com a recorrente formação e estouro de bolhas de ativos. A forma de “resolver” essas crises tem jogado para frente, de forma magnificada, o mesmo problema, pois busca salvar a riqueza financeira da fogueira que ela mesma provoca. (*) Leda Paulani é professora titular do Departamento de Economia da FEA/USP

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Marolinhas Selvagens


José Martins








Brasil já está entre os países mais atingidos pela crise mundial do capitalismo.



Atenção Macunaíma da Silva: aquela idéia idiota dos teus economistas e da tua mídia que a economia brasileira seria menos afetada pela crise que as demais economias dominadas do BRIC (sigla referente a Brasil, Rússia, Índia e China, as quatro maiores emergentes) está definitivamente desmentida pelos fatos. É o que demonstram os números da OCDE em seu mais recente relatório dos indicadores antecedentes (06/mar/2009).

Isso é importante porque durante vários meses depois da eclosão da crise a economia brasileira era a única que ainda não aparecia nos radares da OCDE na perspectiva de “forte desaceleração”. Isso é coisa do passado. Agora a situação mudou. E o que mais chama atenção não é a mera entrada do Brasil na perspectiva sombria de “forte desaceleração”, mas da virulência com que isso está acontecendo. Vale a pena listar alguns números do relatório citado.



Para comparação acrescentamos EUA e México aos BRICs. Os primeiros, porque é da economia de ponta que se irradia as ondas magnéticas para o resto do sistema. O México, para medir melhor a intensidade da crise no Brasil em relação aos demais países da América Latina. Outra observação preliminar: para facilitar o entendimento, imaginemos esses índices da tabela acima como medições mensais da “pressão sangüínea” das diversas economias listadas. Também para efeito analítico, deve-se considerar que a elevação desses índices da tabela representa expansão das economias e redução representa desaceleração ou crise.

O que primeiro salta aos olhos desta tabela é que a situação do Brasil se agravou terrivelmente de Novembro 2008 para cá. Até então, como vimos em outros boletins, essas medições da OCDE ainda sinalizavam “expansão” para a maior economia da América Latina, enquanto todo o restante das grandes economias mundiais (incluindo as parceiras do BRIC) já sofriam as dores insuportáveis da ressaca cíclica com a perspectiva de “forte desaceleração”.

Os EUA já apresentavam queda de pressão contínua e crescente desde Janeiro de 2008. Entre Agosto e Setembro iniciou-se concretamente o desabamento. A China ainda resistia (aparentemente) até os meses de Maio e Junho. A partir de Agosto/Setembro sincronizou-se milimetricamente aos EUA (logo ultrapassando) e sinalizando com mais clareza o seu desabamento. Neste momento, a queda de pressão do país mais populoso do mundo (-14.81) só perde para a da Rússia (-19.36). A Rússia, como o Brasil, também estava exuberante até meados de 2008. Com a queda fulminante dos preços do petróleo e do gás natural, em Agosto/Setembro, desabou estrondosamente. A Índia foi a participante do BRIC que apresentou a evolução mais regular do desabamento, seguindo até nos números mensais a evolução dos EUA. A Índia é a mais previsível das grandes economias mundiais. Por isso a falta de interesse que desperta no dia-a-dia do mercado global.

O México, grande exportador de petróleo e de plataformas de exportação (maquiladoras), surpreendentemente sinaliza um desabamento muito menos catastrófico do que o Brasil. Vejam que a queda mexicana foi até agora muito mais lenta (-3.69 em fevereiro/2009) do que nas demais grandes economias listadas na tabela acima. Isso transparece na queda relativamente modesta de 2.7% do seu PIB no quarto trimestre 2008, frente aos 3.6% ocorridos no Brasil no mesmo período, como vimos no boletim anterior.

A pressão sanguínea do Brasil só sinalizou com clareza o seu desabamento na virada de Outubro (-2.76) para Novembro (-5.07). Os índices de Dezembro (-7.61) e de Janeiro 2009 (-10.14) sinalizam a reversão cíclica mais catastrófica, pela sua intensidade, de todas as demais economias mundiais (com exceção da Rússia, mas esta é um caso particular, devido ao peso do petróleo na economia). No próximo relatório da OCDE deverá ter caído abaixo do índice dos EUA e sincronizado catastroficamente com China e Rússia.

A marolinha prevista por Macunaíma da Silva, o folclórico presidente do Brasil, se iguala finalmente a marolinhas bem mais selvagens da Ásia e Leste Europeu, superando assim, pela primeira vez, a gravidade da “crise do Bush”, como ele se referia ao mais potente choque global de superprodução de capital desde os anos 1930.

* Este texto foi publicado no boletim Crítica Semanal da Economia.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Relatório da OIT sobre as tendências mundiais de emprego para 2009


O número de desempregados, trabalhadores pobres e de empregos vulneráveis aumentará consideravelmente devido à crise econômica mundial

GENEBRA (Notícias da OIT) - A crise econômica mundial poderá produzir um aumento considerável no número de pessoas que aumentarão as filas de desempregados, trabalhadores pobres e trabalhadores com empregos vulneráveis, afirma a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em seu relatório Tendências Mundiais do Emprego.

Com base nos novos acontecimentos no mercado de trabalho devido à eficácia dos esforços de recuperação, o relatório assinala que o desemprego no mundo poderia aumentar em 2009 em relação a 2007 entre 18 e 30 milhões de trabalhadores e até além de 50 milhões caso a situação continue se deteriorando.

O relatório da OIT sustenta que, caso se produza este último cenário, cerca de 200 milhões de trabalhadores, em especial nas economias em desenvolvimento, poderiam passar a integrar as filas da pobreza extrema.

“A mensagem da OIT é realista, não alarmista. Nós enfrentamos uma crise de emprego de alcance mundial. Muitos governos estão conscientes da situação e estão tomando medidas, mas é necessário empreender ações mais enérgicas e coordenadas para evitar uma recessão social mundial. A redução da pobreza está em retrocesso e as classes médias em nível global estão se debilitando. As consequências políticas e de segurança são de proporções gigantescas”, declarou Juan Somavia, Diretor-Geral da OIT.

“A crise sublinha a importância da Agenda de Trabalho Decente da OIT. Muitos elementos desta Agenda estão presentes nas medidas atuais para fomentar a criação de emprego, intensificar e ampliar a proteção social e utilizar mais o diálogo social”, afirmou Somavia.

O Diretor-Geral fez um apelo para que na próxima reunião dos representantes do G-20 no dia 2 de abril em Londres, além de serem tratadas questões de caráter financeiro, seja alcançado de maneira urgente um acordo sobre as medidas prioritárias que devem ser adotadas para promover investimentos produtivos, os objetivos de trabalho decente e proteção social e a coordenação de políticas.

Principais prognósticos do relatório de Tendências Mundiais de Emprego
Este novo relatório atualiza as projeções preliminares publicadas em outubro do ano passado, nas quais se indicava que a crise financeira mundial poderia fazer com que o desemprego atingisse entre 15 e 20 milhões de pessoas em 2009. As conclusões fundamentais são as seguintes:

  • Com base nas previsões do FMI de novembro de 2008, a taxa de desemprego no mundo poderia aumentar em até 6,1% em 2009, em comparação com os 5,7% de 2007, o que representa 18 milhões de desempregados a mais em 2009 em relação a 2007.
  • Caso a situação econômica se deteriore além do previsto em novembro de 2008, o que é provável, a taxa de desemprego mundial poderia aumentar até 6,5%,o que representa 30 milhões a mais de pessoas sem emprego no mundo em relação 2007.
  • Em uma hipótese atual sobre a evolução mais pessimista, a taxa de desemprego poderia chegar a 7,1%, o que equivaleria a aumento de mais de 50 milhões de desempregados no mundo.
  • O número de trabalhadores pobres – isto é, de pessoas que não ganham o suficiente para manter-se a si mesmos e a suas famílias além do umbral da pobreza de 2 dólares ao dia por pessoa – pode aumentar até alcançar um total de 1,4 bilhão, o que representaria 45% do total de trabalhadores no mundo.
  • Em 2009, a proporção de pessoas com empregos vulneráveis - ou seja, trabalhadores que contribuem para o sustento familiar ou trabalhadores por conta própria com menor acesso às redes de seguridade que protegem contra a perda de renda durante tempos difíceis – poderia aumentar de maneira considerável no pior dos cenários e afetar até 53% da população com emprego.

Medidas em matéria de políticas
A crise econômica de 2008 aumentou a preocupação com as repercussões sociais da globalização, assunto sobre o qual a OIT vem advertindo há tempos. Ao sublinhar a necessidade da adoção de medidas para apoiar os grupos vulneráveis do mercado de trabalho, como os jovens e as mulheres, o relatório da OIT observa que existe um norme potencial de trabalho não aproveitado em todo o mundo. O crescimento e o desenvolvimento econômico poderiam ser muito maiores se fosse dada oportunidade às pessoas de ter um trabalho decente através de investimentos produtivos e políticas ativas dirigidas ao mercado de trabalho.

“A Agenda de Trabalho Decente é um marco político adequado para enfrentar a crise. Inclui uma mensagem poderosa: que o diálogo tripartite com as organizações de trabalhadores e empregadores deve desempenhar um papel essencial na abordagem da crise econômica e no desenvolvimento de políticas”, afirmou Juan Somavia.

De acordo com o que foi discutido pelo Conselho de Administração da OIT em novembro de 2008, o relatório enumera diversas medidas recomendadas pela OIT para a formulação de políticas que estão apoiando numerosos governos:

  • maior coberturas do seguro-desemprego e dos regimes de seguro, reconversão profissional dos trabalhadores que perderam o trabalho e proteção das pensões frente à queda catastrófica dos mercados financeiros;
  • investimento público em infraestruturas e habitação, infraestruturas comunitárias e empregos verdes, inclusive mediante obras públicas de emergência;
  • apoio às pequenas e médias empresas;
  • diálogo social em escala nacional, setorial e empresarial.

Se um grande número de países –usando suas próprias reservas acumuladas, empréstimos de emergência do FMI e mecanismos de ajuda mais fortes – aplicarem políticas coordenadas de acordo com a Agenda de Trabalho Decente da OIT, os efeitos da recessão nas empresas, sobre os trabalhadores e suas famílias poderiam ser amenizadas e a recuperação poderia ser melhor preparada.

FONTE: http://www.oitbrasil.org.br/get_2009.php

quarta-feira, 18 de março de 2009

Marolinhas Econômicas.



JOSÉ MARTINS.

Quando Luis Inácio Macunaíma da Silva garantiu há pouco tempo que no Brasil a crise global não passaria de uma marolinha ele estava sendo sincero. Acreditava no que estava afirmando. O problema é que ele vê a realidade econômica (e erra sempre) de acordo com a vertente mais vulgar da economia política dos capitalistas, conhecida nas faculdades de Economia como teoria econômica neoclássica, essa maçaroca ideológica do liberalismo econômico preferida por cem por cento dos capitalistas e por nove entre dez dos seus mais renomados economistas.

Nessa vertente vulgar (ou popular) da Economia Política o mandamento básico é que o consumidor individual – e seus variáveis níveis de consumo – é o soberano e determinante da dinâmica da economia. O presidente brasileiro, deslumbrado com tudo que tem cheiro de patrão, acha isso uma maravilha de pensamento. Então, quando a crise chega o que fazer? Muito simples: incitar fanaticamente os consumidores a não parar de comprar, assim a produção também não pararia e pronto, a crise desapareceria, ou melhor, não passaria de uma marolinha. É claro que neste incitamento ao consumo não pode faltar (e não faltou) o saque aos recursos públicos pelo sistema bancário e grandes empresas globais, tudo em nome de uma imaginária expansão do crédito ao consumo e outras reais (embora invisíveis) falcatruas entre o Estado e os mui competentes e inovadores empresários amantes do liberalismo econômico.

Por que o Brasil não quebra – Embora a situação econômica nacional já estivesse se agravando perigosamente desde o mês de setembro de 2008, essa idéia de marolinha verde-amarela era veiculada até poucos dias atrás com a maior cara de pau pela mídia capitalista. Em matéria de capa (“O Brasil e a Crise: dez razões para otimismo”) a maior revista semanal do País veiculava, por exemplo, uma enorme matéria de propaganda de supostas virtudes do liberalismo capitalista no Brasil:

“Seis meses depois da eclosão do turbilhão econômico que varreu Wall Street, com reflexos no mundo todo, a fase mais aguda da crise pode estar chegando ao "fim do começo" sem que os prognósticos mais funestos tenham se abatido sobre o Brasil. A economia brasileira já sofre, e sobre isso não há dúvida. Mas é consenso que o Brasil será um dos países menos afetados. Concordam com esse diagnóstico organizações como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a OCDE, a organização econômica dos países ricos. Com a ajuda de alguns dos melhores economistas do país, VEJA escolheu as dez principais razões de otimismo, resumidas e classificadas por sua solidez. A reportagem avança com um alerta sobre o calcanhar-de- aquiles da economia brasileira, o descontrole do gasto público de péssima qualidade, e se completa com uma coluna também otimista do economista Maílson da Nóbrega, com o sugestivo título "Por que o Brasil não quebra". (Veja, 04/03/2009, edição 2012)

As dez principais razões de otimismo resumidas e classificadas pela revista por sua solidez se desmancharam no ar menos de uma semana depois desta edição e do visionário artigo (“Por que o Brasil não Quebra”) de Mailson da Nóbrega, um desses legítimos representantes daquela vertente vulgar da Economia Política citada acima.

Por que o Brasil está quebrando – Na semana seguinte àquela apologia da Veja às virtudes liberais da economia nacional, o País acordou assustado deste torpor ideológico com noticias verdadeiramente catastróficas da produção e do emprego, referentes ao quarto trimestre (outubro-dezembro) de 2008, divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Produto Interno Bruto (PIB) caiu 3,6% no trimestre, o que corresponde a uma taxa anualizada de quase 15%. Nos EUA, onde pretensamente a crise estaria atingindo mais pesadamente, essa taxa anualizada foi de 6,3%, menos da metade da ocorrida no Brasil. Essa parada mais profunda no Brasil no terceiro trimestre se explica também pela velocidade relativamente mais elevada da expansão nos trimestres anteriores. Veremos melhor esse processo no próximo boletim, comparando a quebra brasileira com as da China, Índia e Rússia (Brics).

O resultado mais catastrófico divulgado pelo IBGE foi aquele referente à queda da Indústria de 7,4% durante o 4% trimestre 2008. Foi a maior queda em doze anos. Em termos anualizados, a queda foi de 30%. Mesmo levando em consideração que esta queda é registrada em cima de uma forte base anterior de expansão, essa medida é verdadeiramente catastrófica. O setor das manufaturas apresentou uma queda mais elevada ainda (9,2%) que aquela catastrófica média da Indústria como um todo.

Mais catastrófica que a queda da Produção ainda foi a queda de 9,8% dos Investimentos industriais. No trimestre anterior (Julho-Setembro) ocorreu uma expansão desses investimentos na ordem de 8,4%. Esses dados de fratura exposta da produção e investimentos industriais sinalizam melhor que qualquer outro indicador a perspectiva catastrófica para a totalidade da economia no decorrer deste ano de 2009. Em nosso próximo boletim analisaremos com mais dados qualitativos e com mais profundidade essa realidade de quebra da economia nacional.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Banco Mundial diz que economia global vai encolher em 2009






Trabalhadores da construção
Num relatório divulgado domingo, o Banco Mundial previu que pela primeira vez desde a II Guerra Mundial a economia global e o comércio mundial vão contrair-se este ano. Até agora, mesmo as previsões mais pessimistas apontavam para um pequeno crescimento, baseado numa previsão de expansão, apesar de pequena, das economias fora dos EUA e Europa.

As nações da América Latina, da África e da Ásia oriental, adverte o relatório, segundo o New York Times, estão a ver o seu crescimento sufocado e o acesso ao crédito dificultado pela crise. Queda nas exportações, queda dos preços das principais matérias primas, declínio do investimento externo são factores apontados pelo Banco Mundial para sustentar as suas previsões pessimistas para as economias dos países em desenvolvimento.

Em Janeiro, o Fundo Monetário Internacional estimara um crescimento de 0.5% da economia mundial em 2009.

Robert B. Zoellick, presidente do Banco Mundial, pediu aos países mais desenvolvidos que criem um "fundo de vulnerabilidade" e que reservem uma parte dos fundos investidos em planos de estímulo às suas economias para ajudar outros países.

O relatório refere que 94 dos 116 países em vias de desenvolvimento estão a registar um abrandamento económico, com a pobreza a aumentar em 43 países.

Os países em desenvolvimento enfrentam uma falta de liquidez superior a 552 mil milhões de euros para pagar as importações e cumprir o pagamento das dívidas este ano, diz o Banco Mundial.



http://www.esquerda.net/

A bomba relogio






A região da Europa Central e Oriental é o indivíduo doente dos mercados emergentes. A situação na área é particularmente sombria. Seus problemas de saúde decorrem de dois fatores: o colapso das exportações e a significativa queda do afluxo de capital. A exportação foi o elemento-chave para o sucesso econômico no passado recente, responsável por 80% a 90% do Produto Interno Bruto (PIB) na República Tcheca, na Hungria e na Eslováquia. O maior mercado para a região é a Zona do Euro, imersa em recessão. Os capitais secaram em razão do aperto de crédito global. Como a Ásia em 1997-1998, a crise regional na Europa Oriental pode se espalhar de maneira perigosa. Como observou Kenneth Rogoff, professor da Harvard, em recente artigo no jornal The New York Times, “há um efeito dominó. Os mercados internacionais de crédito estão ligados e uma crise do tipo bola-de-neve na Europa Oriental e nos países bálticos pode provocar a queda dos bônus da cidade de Nova York”. Além da dependência das exportações, bancos ocidentais europeus, por meio de subsidiárias, têm forte exposição à região. Detêm de 60% a 90% da participação de mercado, o que pavimenta o caminho para o contágio. Esses países orientais tomaram 1,4 trilhão de dólares emprestados dos integrantes do Banco de Compensações Internacionais, a maior parte de bancos europeus ocidentais (1,3 trilhão de dólares). A Áustria é de longe o país mais exposto, por meio das instituições Raiffeisen e Erste Bank. A exposição dos bancos no país supera 70% do PIB. A Bélgica e a Suécia são as próximas na lista. Seus empréstimos correspondem de 20% a 25% do PIB. Há o temor de que, caso as dificuldades aumentem, tais bancos possam simplesmente se livrar das subsidiárias a qualquer preço e deixar a região. Outra preocupação é o fragmentado sistema regulatório da Europa. A solução para qualquer revés será provavelmente demorada e confusa. Os bancos europeus também estão expostos a economias vulneráveis fora da União Europeia (UE). A Rússia é o segundo maior dependente e tem 100 bilhões de dólares de dívida externa que precisam ser financiados. A Ucrânia, no entanto, representa o maior risco de contágio, particularmente se o Fundo Monetário Internacional (FMI) continuar a postergar a próxima parcela do empréstimo concedido ao país. Os bancos austríacos, franceses, suecos, italianos e alemães têm uma exposição conjunta de 30 bilhões de dólares na Ucrânia. O país tem de honrar 46 bilhões de dólares de sua dívida neste ano e a forte desvalorização da moeda local (hryvnia) fez disparar o custo da rolagem dos empréstimos. A série de protestos que pipocaram na Bulgária, na Lituânia e na Letônia em janeiro, que culminaram com a queda do governo letão, aumenta a percepção de que os países da Europa Oriental podem passar por um período de profunda desestabilização e insatisfação social, à medida que a crise se aprofunda e as taxas de desemprego disparam. Os protestos da população não foram um caso isolado na região. Houve manifestações nas ruas da Irlanda, Islândia, França, Grã-Bretanha e Grécia. Os governos orientais, no entanto, parecem mais vulneráveis, por disporem de opções limitadas de política econômica para enfrentar o mau tempo e não poderem lançar mão de estímulos fiscais, em razão das restrições orçamentárias. Medidas altamente impopulares, como a redução do salário do funcionalismo público, o aumento de impostos e o corte nos gastos com a seguridade social elevarão o descontentamento dos cidadãos da Hungria e da Romênia. A crise financeira exacerbou a divisão entre Ocidente e Oriente na UE. A cisão é visível nas persistentes desavenças entre a República Tcheca, a presidência da UE e a França, no que tange ao comércio e a pacotes protecionistas de salvação, que prejudicam as indústrias automotivas na Polônia, República Tcheca, Eslováquia e Hungria. Até agora, a UE tem ajudado os países economicamente mais frágeis, como a Letônia, a Polônia e a Hungria, com linhas de financiamento, além de pedir ao FMI que dobrasse os fundos a eles destinados. Há demandas por um suporte coordenado para a Europa Oriental, com o apoio do Banco Mundial. Se não houver possibilidade de ajuda extra, a crise poderá se aprofundar e resultar em uma separação entre a velha e a nova Europa. Neste caso, haverá mudanças estruturais no cenário político da banda oriental. Pode-se apostar no fortalecimento do nacionalismo, no surgimento de vozes céticas da região central do continente, particularmente na República Tcheca e na Polônia, e na ampliação, nos Estados Bálticos, do apoio a partidos pró-Rússia.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Obama: quando a superstição duela com a realidade




José Martins




As esperanças em Obama dão de cara com a realidade da crise mundial do capitalismo.

Tomou posse, finalmente, “o primeiro presidente negro dos Estados Unidos”. A superstição, essa perfeita realização do idealismo burguês, atingiu níveis recordes de audiência. O culto global destes últimos meses à capacidade sobrenatural de um “grande homem” resolver os problemas do mundo (muito mais que o mago inglês Gordon Brown) é uma prova mais que suficiente da nossa tese que o modo de produção capitalista é a era do cálculo e da superstição. Já comentamos em outro boletim o suficiente para caracterizar o papel dessa figura absolutamente medíocre que atende pelo nome de Barack Hussein Obama*.

Além da superstição

Apenas um pequeno comentário a mais, além da cerimônia oficial da pomposa posse – na forma totalitária tradicional de mobilizações de grandes massas e discursos vazios de “grandes homens”, esta última ainda muito pior produzida e menos interessante do que as que faziam os departamentos de propaganda de outros “grandes homens” como Hitler, Mussolini, Perón, Getúlio... Acontece que agora é avassaladora a concentração de poder em uma única potência e a força atual da mídia é mil vezes maior que naquela época de totalitarismos bem mais ingênuos que os de agora.

É por isso que mais assustador ainda do que as cerimônias goebbelianas** da posse do “primeiro presidente negro dos EUA” foi como se produziu uma campanha midiática global de restauração dos “valores americanos”, da recuperação do “destino manifesto” dos EUA de levar a todos os cantos do mundo (com filmes de Spielberg ou com mariners, pouco importa) os seus sagrados valores políticos: liberalismo, individualismo, democratismo e... capitalismo. Presencia-se uma feroz tentativa burguesa de recuperação do “soft power”*** do império americano, seriamente danificado com as sapatadas iraquianas em Bush (ou no império americano?).

Esse é o lado real da coisa. Além da superstição do espetáculo esconde-se a necessidade premente de reorganização do poder imperialista de organizar a guerra e garantir a governança global. Mas isso não basta. Há uma coisa muito mais real (e mais do que imediata) a ser enfrentada. Redobrem a superstição, pois vão assistir cenas muito chocantes.

O mundo não pára!

Obama é a superstição. A crise econômica é a realidade. Alguém arrisca um palpite? Do mesmo jeitinho que o renegado George W. Bush, seu antecessor odiado pelo povo, Obama consegue de joelhos no Capitólio que os deputados aprovem mais um pacote para ativação da economia de aproximadamente $800 bilhões de dólares. Falta agora o Senado aprovar. Deve conseguir. Mas será mais difícil que na Câmara. Não bastará se ajoelhar, ele terá que beijar as botas dos senadores. A aura de “grande homem” ficará seriamente profanada. Mais cedo que se imaginava. Neste ritmo logo vai ter cidadão americano chamando “o primeiro presidente negro dos EUA” de Bush 2º.

Tem mais. A reação dos capitalistas dos outros países do mundo reunidos em Davos, Suíça, no Fórum Econômico Mundial, foi verdadeiramente raivosa ao saberem que no pacote de Obama havia um parágrafo altamente protecionista à indústria dos EUA: todo aço e outros equipamentos a serem consumidos nas obras de infraestrutura previstas no pacote devem ser comprados de siderúrgicas e indústrias estadunidenses.

Frente à raivosa reação do exterior (até Macunaíma da Silva chiou em Brasília, fazendo uma fervorosa defesa do livre comércio) Washington já deu sinais que recuará nesta pegadinha protecionista de Obama. Pegou mal. Muito mal. Assim, também no estrangeiro a imagem de “grande homem” sairá prejudicada. Precisa carregar mais no Soft Power, senão até o presidente do Suriname vai estar logo procurando um bom lugar na fila para dar a sua sapatada no “primeiro presidente negro dos EUA”.

O tamanho da trolha

O último pacote de Bush (houve outros anteriores) era mais ou menos do mesmo valor que este de Obama. Não deu grandes resultados. Por que? Há que se levar em conta o tamanho da trolha a ser desativada: o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA desabou 3.8% no quarto trimestre de 2008, noticiou dia 30/01/09 o Departamento do Comércio daquele país, salientando no relatório que essa é a maior queda do PIB em um único trimestre desde 1982. A nossa (da Crítica) perspectiva é que neste 1º trimestre (janeiro-março) o PIB leve um tombo de aproximadamente 6% anualizados. Que Marx nos ouça!

Seria uma aceleração catastrófica. Já analisamos dados no boletim anterior (ver aqui) que demonstram uma clara tendência ao derretimento da indústria dos EUA. São esses dados que puxam o PIB para baixo e balizam (além de outras considerações) aquela nossa previsão para o PIB no 2º trimestre. Com base nestes dados da indústria fizemos também uma arriscada (mas não exagerada) previsão de que se o ritmo de derretimento atual da indústria americana não for imediatamente estancado, e desde que a taxa de utilização da capacidade instaladataxa de desemprego nos EUA, que agora deve girar em torno de 7.5 e 8%, em dezembro de 2009 poderá se situar entre 25 e 30% da força de trabalho. Que Marx nos ajude (e muito)!

A indústria derrete

Exagero da nossa parte? Talvez. Mas veja o que está a acontecer, por exemplo, na Espanha. Dados do Instituto Nacional de Estadísticas (INE) do governo espanhol indicam que a taxa de desemprego do país pulou de 11.3% da população economicamente ativa no 3º trimestre de 2008 para 13.9% no 4º trimestre de 2008. É muita velocidade. Superou pela primeira vez a marca de 3,2 milhões de desempregados. Desde dezembro de 2007, o número de desempregados aumentou 1,3 milhão. Quer dizer, a massa de desempregados aumentou cerca de 60% em doze meses. O até recentemente festejado boom econômico espanhol que durou dez anos precisou de menos de seis meses para entrar em fulminante colapso.

É evidente que a economia espanhola tem suas diferenças com a dos EUA. Mas até aí morreu o Neves. É preciso justificar as afirmações. De todo modo, o que vai deixá-las mais parecidas do que em situações normais é justamente o possível (e cada vez mais provável) derretimento da indústria global.

Mas o que vai acontecer nos EUA não precisa de paralelos externos. Os demais países do mundo é que devem se preocupar com o paralelo da economia de ponta do sistema. Nos EUA deve ocorrer colapso possivelmente maior que o espanhol. Só no mês de dezembro passado as empresas cortaram 524 mil trabalhadores, para o total de 2,6 milhões cortados durante o ano de 2008. Cortaram em um único mês (no último do ano) cerca de 20% do total cortado no ano. Quer dizer, a velocidade do corte de empregos está se acelerando. Velocidade máxima.

Veremos neste mês de janeiro aceleração ainda maior – segundo a bloomberg.com “mais cortes estão acontecendo neste mês. Kodak, Target e Texas Instruments estão entre as empresas que anunciaram milhares de cortes nesta semana. PPG Industries Inc., a segunda maior fabricante mundial de equipamentos de pintura de carro, declarou nesta semana que deve cortar no mínimo 4500 trabalhadores, ou 10% da sua força de trabalho”. Em entrevista à Bloomberg, dia 27 de janeiro 2009, declara o diretor presidente da PPG Industries: “Provavelmente estamos assistindo a mais impetuosa desaceleração que qualquer um que trabalha em nossa companhia tenha visto.” Continua a matéria: “O desmoronamento (slump) da economia dos EUA se intensificou no último trimestre e as empresas se trancaram. Investimentos em bens de capital caíram ao ritmo de 19%, o maior desde 1975. Compra de equipamentos e software caíram ao ritmo de 28%, o maior em meio século” (30/01/2009).

E assim será até o fim deste ano. A maioria das empresas, segundo a Bloomberg.com, planeja cortar proximamente entre 10 e 12% dos seus quadros de funcionários. Faça as contas.

A trolha é global

Ninguém escapa. Veja o que se passa na segunda maior economia do planeta: “Com o afundamento da produção industrial em nível recorde, a deflação como um risco real e o maior aumento do desemprego em 42 anos, o Japão segue para uma profunda recessão, talvez a pior desde o final da 2ª Guerra Mundial. Completando o quadro, os grupos NEC e Hitachi anunciaram nesta sexta-feira a supressão de 27 mil postos de trabalho. O governo japonês divulgou nesta sexta-feira dados muito desalentadores de produção industrial, desemprego e Índice de Preços ao Consumidor (IPC) piores que o previsto para uma economia que já está oficialmente em recessão e para a qual se prevêem tempos ainda mais difíceis. Especialmente o resultado da produção industrial, uma queda de 9,6% - a maior desde 1953 – indica tempo ruim, pois significa que as fábricas japonesas cortarão ainda mais a produção, atingindo também o crescimento econômico e o emprego. Para janeiro, o governo prevê uma queda de 9,1% da produção industrial e um pouco menos, 4,7%, para fevereiro.” (Último Segundo, IG).

A podridão do sistema moribundo é o laboratório da vida. Não faltam cenas chocantes pelo mundo afora, como essas que retransmitimos dos EUA, Espanha e Japão. Não temos condições de listar tudo o que se passa em todos os países. Mas ninguém duvide que todos estejam envolvidos no redemoinho da crise. É por isso que ninguém pode afirmar que estamos exagerando em nossas avaliações para a economia global neste ano. Quem está exagerada é a realidade. Felizmente.

Mas os capitalistas e todos seus supersticiosos fiéis espalhados pelo mundo estão firmes na fé que serão salvos do apocalipse que se anuncia. Afinal, eles acabam de produzir e dar posse a um “grande homem” que vai guiá-los pelo deserto e salvar do desmoronamento essa podridão material que eles amam cegamente. Mas no meio do caminho existe uma pedra: a despudorada realidade material dança na rua loucamente no meio do redemoinho com cenas irrefutáveis (embora chocantes) demonstrando que os dias dos seus “grandes homens” estão contados. Aleluia!


* Ver “Obama: a realidade fala mais alto que o espetáculo” 3ª sem. Novembro 2008. Não vamos também aqui cair na tentação de explicar por quê pessoas tão inteligentes como o escritor Philip Roth, o professor de física teórica Marcelo Gleiser e tantos outros acreditam que “o primeiro presidente negro dos EUA” pode mudar o mundo. Como explicar essa crença de pessoas inteligentes no mito dos “grandes homens”? Mesmo Hegel, o grande filósofo alemão, ficava fascinado com a passagem de Napoleão pela Prússia comandando seu exército em direção à Rússia. Também não era Hegel que via o Estado como a manifestação de Deus na terra? Mas não se faz mais Napoleões (nem ideologias) como antigamente. Só a superstição, essa forma do idealismo plenamente desenvolvido do século 21, permite acreditar na capacidade sobrenatural de um indivíduo medíocre, conservador, que nunca escreveu nada, nunca falou nada, nunca fez nada que fosse verdadeiramente interessante. Vire e revire o discurso de posse do “primeiro presidente negro dos EUA”. O ponto alto destacado pela mídia foi uma frase que teria a mesma força do “eu tenho um sonho” de Martin Luther King. Veja (e ame, se for capaz) a frase do novo grande líder: “Vocês vieram por acreditar no que este pais pode ser e vão nos ajudar a chegar lá”. Não é uma coisa linda? Será que Philip Roth também ficou emocionado?

** Referente a Joseph Goebbels, Ministro do Povo e da Propaganda de Hitler, na Alemanha.

*** Soft Power quer dizer, na linguagem das relações internacionais, força (ou poder) de hegemonia e dominação de idéias forjadas e valores culturais de um determinado Estado nacional sobre outros. Complementa e sempre acompanha, necessariamente, o hard Power, a capacidade militar propriamente dita.

* Este texto foi publicado no boletim Crítica Semanal da Economia.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O próprio capitalismo esgotou o discurso neoliberal'. Entrevista especial com Luiz Filgueiras

especial com Luiz Filgueiras

“Essa crise é a maior de todas, porque não é apenas uma crise cambial de um país de periferia, que sofreu um ataque especulativo e os capitais começaram a sair, mas essa é uma crise do centro do sistema capitalista, a partir de um país hegemônico. Por isso, ela é gravíssima e continua se espalhando pelo mundo”, afirmou o economista Luiz Filgueiras, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line. Para ele, essa crise é ainda mais profunda do que a crise de 1929, que também abalou a estrutura financeira, cultural e moral dos Estados Unidos. Filgueiras argumenta que foi o próprio sistema capitalista, incentivado pelos governos estadunidenses, que gerou esse colapso e, portanto, será preciso criar um novo sistema para solucionarmos esse problema econômico.

Luiz Filgueiras é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia, onde também realizou o mestrado em Economia. É doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas. É pós-doutor pela Universidade de Paris, na França. Atualmente, é professor na UFBA. Junto com Reinaldo Gonçalves, publicou Economia Política do Governo Lula (Rio de Janeiro: Contraponto, 2007). É autor também de História do Plano Real (São Paulo: Boitempo, 2000)

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é a natureza da crise econômica mundial: conjuntural ou estrutural?

Luiz Filgueiras – A crise tem elementos estruturais e conjunturais. Ela tem elementos estruturais porque é mais uma crise de superacumulação da economia capitalista. Portanto, ela é uma reprodução de fenômenos que ocorreram e ocorrem estruturalmente de tempos em tempos nesse sistema. E ela tem uma virulência enorme, a maior, com certeza, depois de 1929, e com o desenrolar pode ser ainda pior, pois ainda desconhecemos a sua profundidade. Trata-se de uma crise da lógica do funcionamento do próprio sistema capitalista.

Ao mesmo tempo, ela é uma crise específica, historicamente determinada pelas condições que o sistema capitalista vem operando nos últimos 30 anos, pelo menos. Temos um sistema capitalista com a predominância do capital-financeiro na sua dinâmica. Uma dinâmica que significa não só uma hegemonia do capital financeiro nas instituições financeiras, mas a própria financeirização dos grandes grupos industriais e produtivos, de tal maneira que esses grandes grupos também criaram instituições financeiras. A própria lógica interna de funcionamento deles é uma lógica de curto prazo, de descartabilidade, de volatilidade etc. Isso implica na reestruturação produtiva e no enxugamento das empresas.

Essa lógica financeira, comandando o capitalismo nos últimos 30 anos, teve como uma das características fundamentais a liberalização dos fluxos de capitais e da acumulação financeira. E isso criou fragilidades enormes e radicalizou uma tendência estrutural do próprio sistema capitalista, pois gerou o descolamento da esfera financeira da economia da esfera produtiva. Ao se unir essa hegemonia financeira com a política neoliberal de desregulamentação, com a liberalização e com a globalização financeira, tivemos a radicalização da tendência da economia capitalista de ter esse descolamento. Isso levou a crise a ter esse tamanho.

Essa crise é a maior de todas, porque não é apenas uma crise cambial de um país de periferia que sofreu um ataque especulativo e os capitais começaram a sair, mas essa é uma crise do centro do sistema capitalista a partir de um país hegemônico. Por isso, ela é gravíssima e continua se espalhando pelo mundo. Portanto, ela tem essa natureza estrutural e, ao mesmo tempo, uma dimensão cultural histórica que diz respeito a essa hegemonia financeira e neoliberal dos últimos anos.

IHU On-Line – Que espécie de paralelo nós poderíamos fazer em relação à crise de 1929 e a crise atual? O que elas têm de semelhanças e de diferenças?

Luiz Filgueiras – A semelhança é a lógica mais geral da crise dentro da perspectiva da análise marxista mais ampla, o que significa que esta é uma crise de superacumulação. O sistema econômico capitalista, empurrado pela competição e pela concorrência, no seu afã da busca pelo lucro, gera uma velocidade de acumulação que o próprio sistema não tem capacidade de digerir. Assim, cria-se uma crise de superacumulação de capitais, que pode se manifestar em superprodução de mercadorias, de máquinas e equipamentos, de papéis e, no limite, a crise significa um excedente de produção. Por isso, ela é semelhante à crise de 1929 e com virulência tão grande quanto.

Agora, a diferença é o início da crise, ou seja, quem a puxa. A de 1929 começou no sistema produtivo e acabou se desdobrando para a esfera financeira. A atual começa no sistema financeiro e começa a descer para o sistema produtivo. Então, para os trabalhadores do mundo inteiro – particularmente, para aqueles dos países emergentes – a crise está começando agora. Ou seja, a partir deste momento e durante 2009, é que os trabalhadores vão sentir a crise, porque ela começa a atingir a produção.

IHU On-Line – Por que há tanta dificuldade em interpretar a atual crise?

Luiz Filgueiras – A dificuldade maior é a falta de informação, porque o sistema ficou tão desregulado que os Bancos Centrais, as autoridades monetárias e as autoridades de governo não têm controle sobre o que se passou e o que se passa. Por isso, eles não sabem o volume de derivativos de produtos financeiros superestruturados, produtos extremamente enrolados. Por outro lado, os bancos também não divulgam exatamente o que está se passando. Então, no final das contas, a dificuldade maior é a falta de transparência do sistema financeiro que não evidencia exatamente o tamanho da crise que está ocorrendo.

IHU On-Line – O senhor acredita numa nova arquitetura financeira mundial?

Luiz Filgueiras – Eu acho que a crise chegou a esse nível exatamente porque não se tinha essa arquitetura financeira. A última caiu em 1970 e, de lá para cá, tivemos essa desregulamentação financeira total. Então, a crise também é produto disso, e a radicalidade dela também. Como o capital se internacionalizou numa velocidade enorme e numa difusão gigantesca, não tivemos estruturas financeiras de regulamentação e, com isso, o capital se move para o plano global. Por isso, precisamos de uma nova estrutura financeira. Se isso vai ser construído ou não, a partir dessa reunião do G20, “são outros quinhentos”.

A impressão que tenho é que o neoliberalismo se esgotou pelo próprio capital, ou seja, ele não foi derrotado por forças políticas contrárias. O próprio capitalismo esgotou o discurso neoliberal, a formulação ideológica do neoliberalismo. Do ponto de vista prático, ele está esgotado não só porque as coisas deram no que deram, mas porque, pelo discurso neoliberal, nós não saímos da crise. Pelo neoliberalismo não há propostas para sair da crise, só há propostas para se afundar ainda mais nela.

IHU On-Line – E o que podemos imaginar que ocupará o lugar do neoliberalismo?

Luiz Filgueiras – O sistema que será colocado no lugar vai demandar da ação das diversas forças políticas na conjuntura. Uma dessas forças políticas, que é fundamental, tem a ver com os Estados Unidos, porque eles estão com uma crise em sua hegemonia. Não é que esse país não tenha mais capacidade de liderar o capitalismo, mas sua hegemonia está extremamente esgaçada. A hegemonia significa ter, ao mesmo tempo, força militar e capacidade de direção política, moral, cultural. Mas os Estados Unidos perderam a capacidade de dirigir politicamente nesses últimos oito anos porque optaram pelo unilateralismo internacional.

Os Estados Unidos escantearam os parceiros tradicionais, não respeitaram a ONU, invadiram o Iraque à revelia de tudo e de todos, mataram Saddam Hussein, mentiram descaradamente. Perderam também a direção moral com essas mentiras e com a prisão de Guantánamo, etc. Então, desgastaram-se totalmente, inclusive culturalmente, pois seu modo de vida é destrutivo para o meio ambiente. O que restou da sua hegemonia? A força, a capacidade militar e a capacidade econômica. No entanto, com a crise, a hegemonia econômica foi altamente questionada, o que torna duvidosa também a ideologia do neoliberalismo.

O resultado disso foi a eleição do Obama, ou seja, a crise explicitou a incapacidade do país em relação ao que estava sendo feito. Obama foi eleito com uma das campanhas mais caras dos Estados Unidos e vem com uma resposta a esse novo momento. Então, além de todas as expectativas populares, Obama vem, sobretudo, na expectativa de recuperar a capacidade de direção política e cultural do país diante do resto do mundo. Essa natureza, juntamente com a ação de outros governos, é que vai dizer como será a saída para crise e o que será construído.

IHU On-Line – As respostas do Brasil à crise têm sido corretas?

Luiz Filgueiras – O governo brasileiro resiste até agora em assumir que o país está dentro da crise e aí é que está o problema. No início, Lula dizia que o Brasil não tinha nada a ver com a crise, que o problema era do Bush. Depois, disseram que a crise atingiria muito levemente. Mais tarde, começaram a tomar algumas medidas. Mesmo agora, o discurso não assume que o Brasil está inserido na crise. Uma hora, Guido Mantega diz que a crise é terrível e, em outro momento, diz que o pior já passou. O governo brasileiro está tão volátil quanto a bolsa de valores.

IHU On-Line – Qual sua opinião sobre a liberação do pacote para conter a crise ao mesmo tempo em que o governo argumenta que não há recursos para corrigir o déficit da aposentadoria?

Luiz Filgueiras – Aí está a contrapartida. Se os trabalhadores não se mobilizarem, a resposta da crise será dada só pelos “de cima”. Os “de baixo” ficarão desamparados, serão as vítimas do desemprego.

IHU On-Line – De que forma o Brasil pode se beneficiar com a crise?

Luiz Filgueiras – Creio que de nenhuma forma, porque a crise terá um efeito destruidor no balanço do parlamento brasileiro por causa do preço das commodities, que são os principais produtos de exportação do país. Teremos um problema muito sério, que vai levar à desaceleração da economia e ao aumento da taxa desemprego. A crise é uma reversão do ciclo econômico que começou em 2003. Agora, o crescimento vai parar, em função da recessão. O problema é como se defender da crise. Com o tipo de política econômica que temos, não há saída para ela, nem mesmo pelo mercado interno. Isso significaria a necessidade de balanço de pagamentos com maiores condições, o que só tende a piorar com a crise.

As ilusões perdidas


Os economistas da chamada corrente principal, confessada a sua incapacidade de reconhecer bolhas de ativos amparadas em expansões alucinadas do crédito, compraram as ilusões do descolamento da China. Esquecidos de suas previsões sobre a quebra dos bancos chineses – segundo eles, carregados de ativos podres –, passaram a se agarrar ao crescimento do Império do Meio, assim como os náufragos ideológicos se desesperam para alcançar os escolhos de suas ideias.

Com o andar da carruagem, de tábua de salvação a China transfigurou-se em peso amarrado aos pés da economia global, agora condenada, inexoravelmente, ao mergulho recessivo. A tese do descolamento é mais uma prova das ilusões necessárias que contaminaram a visão de homens perspicazes e inteligentes, embotados pelos desatinos da euforia e das certezas das duas últimas décadas. Todos estavam, é verdade, corretos a respeito do fenômeno da globalização, ainda que errados na avaliação de suas implicações.

Senão, vejamos. A intensificação das relações de interdependência entre as economias nacionais, fomentada pelo poder econômico dos Estados Unidos, foi a marca registrada das duas últimas décadas de vigorosa (e perigosa) expansão capitalista.

Na verdade, desde o imediato pós-guerra, a regeneração do comércio internacional foi conduzida pela expansão da grande empresa, sob a liderança americana. Numa primeira etapa, a rearticulação proposta pela hegemonia americana, pautada nas regras de Bretton Woods, permitiu a reconstrução dos sistemas industriais da Europa e do Japão. Sob a égide da hegemonia americana, a industrialização de muitos países da periferia foi impulsionada pelo investimento produtivo direto estrangeiro, atraído, então, pelas políticas desenvolvimentistas dos Estados Nacionais.

No último quarto do século XX e começo do XXI, três movimentos centrais e interdependentes promoveram profundas transformações na economia global: a liberalização financeira e cambial, a mudança nos padrões de concorrência e a alteração das regras institucionais do comércio e do investimento, todos conducentes ao reforço do poderio econômico americano. A Ásia converteu-se num dos principais locus do investimento direto e da difusão acelerada do progresso técnico, levados a cabo pelo deslocamento da empresa transnacional desde os anos 1980. Este movimento de transnacionalização do espaço asiático, particularmente da China, foi também uma mudança de escala no processo de deslocalização da estrutura manufatureira americana para o resto do mundo.

Os otimistas chegaram a sustentar que a ampliação do déficit americano em conta corrente poderia continuar por mais uma década, escorado na disposição dos chineses de incorporar mais 200 milhões de trabalhadores nas indústrias voltadas para a exportação. Até completar o ciclo, os chineses estariam dispostos a defender o yuan desvalorizado e, portanto, a acumular reservas e adquirir títulos do Tesouro americano. Isso significaria evitar quaisquer alterações entre as taxas de câmbio nas relações intra-asiáticas, e, particularmente, bloquear mudanças no valor do yuan em relação ao dólar.

# Luiz Gonzaga Belluzzo

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Sobre Gaza


Não é uma guerra, não há exércitos se enfrentando. É uma matança.

Não é uma represália, não são os foguetes artesanais que voltaram a cair sobre o território israelense, mas uma campanha eleitoral que desencadeou o ataque.

Não é uma resposta ao fim de uma trégua, porque durante o tempo em que a trégua estava vigente, o exército israelense endureceu ainda mais o bloqueio sobre Gaza e não deixou de levar adiante mortíferas operações com a cínica justificativa de que seu objetivo era atingir membros do Hamas. Por acaso ser membro do Hamas tira a condição humana de um corpo desmembrado pelo impacto de um míssil e o suposto assassinato seletivo da condição de assassinato?

Não é uma violência que fugiu ao controle. É uma ofensiva planificada e anunciada pela potência invasora. Um passo a mais na estratégia de aniquilação da resistência da população palestina, submetida ao inferno cotidiano da ocupação da Cisjordânia e Gaza, assediada pela fome e cujo último episódio é esta carnificina que neste dias ocupa nossos televisores em meio a mensagens amáveis e festivas de ano novo.

Não é um fracasso da diplomacia internacional. É mais uma prova da cumplicidade com Israel. E não se trata somente dos Estados Unidos, que não é referência moral e nem política, mas sim parte de Israel neste conflito; trata-se da Europa, da decepcionante debilidade, ambigüidade e hipocrisia da diplomacia européia.

O mais escandaloso que se passa em Gaza é que tudo isto pode passar sem que nada de mais aconteça. Não se questiona a impunidade de Israel. A violação continuada das leis internacionais, dos termos da Convenção de Genebra e das normas mínimas de humanidade não têm conseqüências.

Mas, muito pelo contrário, tudo indica que se premia Israel, com acordos comerciais, como propostas para a sua entrada na OCSE, e que desta imoralidade resultam frases de alguns políticos dividindo as responsabilidades igualmente entre as partes, entre ocupante e ocupado, entre quem agride e quem é agredido, entre o carrasco e a vítima. Como é indecente esta pretendida eqüidistância, que equipara o oprimido com o opressor. Esta linguagem não é inocente. As palavras não matam, porém ajudam a justificar os crimes e a cometê-los.

Em Gaza está se cometendo um crime. E há tempos está sendo cometido ante os olhos do mundo. E ninguém poderá dizer, como em outros tempos se disse na Europa, que não sabíamos.

José Saramago, Laura Restrepo, Teresa Aranguren, Belén Gopegui, e outros.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Greve afeta transportes e serviços e desafia Sarkozy Daniela Fernandes De Paris para a BBC Brasil



Uma greve geral na França nesta quinta-feira está atingindo os transportes, escolas, hospitais, correios, aeroportos, rádios e televisões públicas, empresas de energia e telecomunicações e vários outros serviços no país. A paralisação, que varia de acordo com as diferentes categorias, representa o primeiro grande teste político para o presidente Nicolas Sarkozy desde o início de seu mandato, em maio de 2007.

O governo francês teme que protestos até então isolados contra reformas que envolvem diferentes categorias possam se transformar em um amplo movimento de contestação social no país.

Nos hospitais, o número de grevistas é de 21,3%, segundo o governo - o dobro registrado em uma outra paralisação do setor, em 2007. Os sindicatos afirmam que o total de grevistas nos hospitais atinge 50%.

Também segundo o governo, 23% dos funcionários públicos estão em greve. Nas escolas, a paralisação é forte e representa um total de 35%, de acordo com o ministério da Educação (nas escolas primárias o índice de grevistas chega a 47%). Os sindicatos anunciam que o número de grevistas no setor da edução atinge pelo menos 60%.

Nos correios, 25% dos funcionários estão em greve. A companhia ferroviária SNCF informou que o número de grevistas atinge 36,7%, enquanto o maior sindicato da categoria anunciou uma adesão de 41%. A direção da empresa informou que nenhum TGV (trem de alta velocidade) que liga regiões fora da capital deve circular nesta quinta.

Em Paris, o metrô e os ônibus estão funcionando quase normalmente, apesar de em algumas linhas o tempo de espera chegar ao triplo do normal. Mas somente 50% de algumas linhas de trens de periferia da capital estão funcionando.

Nos aeroportos, 15% dos operadores de vôo estão em greve, de acordo com a Direção Geral da Aviação Civil. No aeroporto de Orly, 35% dos vôos foram cancelados até o momento e, em Charles de Gaulle, estão ocorrendo atrasos de meia hora, em média.

Crise econômica

A greve desta quinta-feira foi convocada para marcar a grande preocupação dos franceses com a crise econômica e exigir medidas de estímulo ao emprego e de melhora do poder aquisitivo, além da defesa do serviço público, já que o governo prevê demitir 30 mil servidores.

A greve geral, até o momento, está sendo considerada maior do que a realizada em maio de 2008. Mas ela teria aparentemente menor número de adesões, segundo o governo e sindicatos de empresas públicas, na comparação com outros protestos mais amplos na França.

Cerca de 200 manifestações ocorrem no país nesta quinta-feira. Várias delas já foram realizadas no interior da França. Em Bordeaux, o número de manifestantes foi estimado em 60 mil. A passeata parisiense teve início nesta tarde.

A situação social na França é bem diferente do período anterior à crise econômica mundial. Em julho passado, o presidente Sarkozy chegou a afirmar, com ironia, "que ninguém mais percebia quando há uma greve na França".

Trabalhadores do setor privado, que normalmente fazem menos greves, também se uniram ao movimento. Cerca de 10% dos empregados da montadora Renault estão em greve. No banco Crédit Lyonnais, a direção estima o número de grevistas em 16%.

A greve nacional conta com forte apoio da população. Segundo uma pesquisa do jornal Le Parisien, 69% dos franceses estão favoráveis à paralisação.

Sarkozy

Diante de tanta mobilização, o presidente Sarkozy decidiu finalmente moderar seu discurso. Na semana passada, ele havia dito "eu ouço, mas não levo em conta", ao se referir às diferentes críticas contra suas reformas.

Mas na terça-feira, 48 horas antes da greve, Sarkozy preferiu dizer que "ouvia as preocupações dos franceses e as levava em conta".

A última greve lançada por todas as centrais sindicais unidas ocorreu em maio de 2008, logo após a posse de Sarkozy, e reuniu entre 300 mil e 700 mil pessoas, segundo a polícia ou os organizadores, respectivamente.

Os números, ainda que divergentes, foram vistos como um certo fiasco na época. Eles são bem distantes dos 2 milhões de franceses que foram às ruas para protestar, em 2003, contra a reforma da aposentadoria e, sobretudo, em dezembro de 1995, contra a reforma da Seguridade Social.

A greve de 1995 paralisou os transportes públicos na França durante um mês e derrubou o primeiro-ministro da época, resultando em eleições legislativas antecipadas, que levaram os socialistas ao governo.

É justamente um amplo movimento nacional como o de 1995 que o presidente Sarkozy teme atualmente, como também o fortalecimento da esquerda francesa, hoje bastante dividida, mas que poderia formar uma frente unida contra o governo.

"Não está excluído que possa ocorrer nesse momento um grande movimento de contestação social como o de 1995", afirma o sociólogo Michel Lallement, do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França.

Sarkozy baseia todo seu discurso político na idéia de "ruptura com o passado". Desde que assumiu, ele já realizou reformas nas mais diferentes áreas.

Mas especialistas estimam que em razão da crise econômica e do maior descontentamento da população com o aumento do desemprego, o presidente francês deixará de lado reformas consideradas mais polêmicas.

É a opinião do pesquisador Olivier Rosenberg, do Centro de Estudos da Vida Política da França (Cevipof). "Sarkozy realizou recentemente uma reforma envolvendo uma categoria de juízes, que causou protestos desses profissionais, mas isso afeta uma parte ínfima da população", diz ele.

Sarkozy já adiou, recentemente, a reforma do ensino secundário, que levou milhares de jovens às ruas, e também a da liberalização do trabalho aos domingos, que não teve o apoio sequer de membros de seu partido.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Outrora considerado uma espécie de oráculo, as profecias do Fórum de Davos apenas serviram para empurrar o capitalismo a caminho do abismo. Muitas das suas estrelas empresariais foram despedidas, alguns estão na prisão e um suicidou-se. As novas estrelas são os governos russo e chinês. "Esta é a maior crise econômica desde que Davos começou", reconhece o seu fundador, Klaus Schwab. Ele reconhece hoje, pragmaticamente, que "o pêndulo oscilou e o poder voltou aos governos".

O Fórum Econômico Mundial que se reúne a partir desta quarta-feira na cidade suíça de Davos é uma imagem da crise econômica e financeira que assola o planeta. Outrora considerado uma espécie de oráculo, as suas profecias apenas serviram para empurrar o capitalismo a caminho do abismo. Muitas das suas estrelas empresariais foram despedidas, alguns estão na prisão e um suicidou-se. As novas estrelas são os governos russo e chinês.

"Esta é a maior crise económica desde que Davos começou", reconhece o seu fundador, Klaus Schwab. Professor de economia de ascendência alemã que fundou o Fórum que reunia a nata do capitalismo mundial a partir de 1971, Schwab reconhece hoje, pragmaticamente, que "o pêndulo oscilou e o poder voltou aos governos".

Antes, frequentavam os salões da estância de inverno suíça nomes como John Thain. Principal executivo do banco Merril Lynch, foi chefe da New York Stock Exchange. Depois de ter conduzido o banco ao naufrágio e despedido milhares de funcionários, ainda tentou receber uma gratificação extra de 30 milhões de dólares, lembra o diário italiano La Republica. E ainda gastou 1,2 milhão para redecorar o seu escritório. Quando foi divulgado o último rombo no balanço, estava a esquiar em Vail, Colorado. Se não tivesse sido despedido na semana passada, seria de novo um dos principais oradores de Davos.

Outras estrelas cadentes que deixaram de figurar na lista dos oradores de Davos são o ex-ministro de Bill Clinton Robert Rubin, despedido do Citigroup, Huang Guangyu, patrão do conglomerado chinês Gome, que acabou na prisão, o alemão Adolf Merckle, que se suicidou, o indiano Ramalinda Raju, que no Fórum de 2007 comandava uma enorme campanha publicitária sobre a "incrível Índia" e hoje não pode viajar, por lhe ter sido retirado o passaporte devido a suspeitas de ter alterado fraudulentamente o balanço da sua empresa Statyam Computer Services.

Uma verdadeira galeria de fantasmas que assola Davos.

As estrelas do show business também acharam mais prudente não comparecer. Bono, dos U-2, prefere fazer o lançamento do seu novo CD, e a atriz Angelina Jolie tem outros compromissos. Davos perdeu o glamour.

Também perdeu parte dos seus patrocinadores, como o falido Lehman Brothers. Por isso chegou a hora de economizar. Claro que, quando se trata de Davos, a palavra economia é relativa. O New York Times dá um exemplo: a BB Heli de Zurich, que leva os convidados para Davos de helicóptero, disponibilizou aparelhos menos confortáveis e mais lentos que permitem cobrar 4.250 dólares pela viagem até à montanha, em vez dos 8.500 que custava uma viagem mais rápida de um aparelho de duas hélices.

O grupo de imprensa alemão Burda, que já levou ao Fórum as modelos Claudia Schiffer e Naomi Campbell, decidiu cancelar esses contratos e concentrar-se em tubarões da indústria e da finança que não tenham afundado.

"As pessoas estão reavaliandor o que fazem em Davos e os organizadores encorajaram a sobriedade e querem focar-se na crise", disse ao NYT Marcel Reichart, do Burda.

Assim, as estrelas deste ano são o primeiro-ministro britânico Gordon Brown, o chinês Wen Jiabao, e o russo Vladimir junto com a alemã Angela Merkel. Barack Obama mandou dizer que tem mais que fazer, e Lawrence H. Summers, director Conselho Econômico da Casa Branca, também declinou o convite. Da Casa Branca só vai, assim, uma conselheira, Valerie Jarrett.

domingo, 25 de janeiro de 2009

o orgão

Sempre tive a impressão que
a América Latina
tem a forma de um órgão:

Um fígado
ou um pâncreas dilatado;
um estômago
afastado dos intestinos.

Um coração que enraíza.

falcon agosto/07

sábado, 24 de janeiro de 2009

A "marolinha" virou tsunami para os trabalhadores!



Quando a noticia que a economia mundial estava em crise foi propagada nos quatro cantos do mundo o presidente da República federativa do Brasil sr. Luiz Inácio Lula da Silva , deu uma declaração afirmando que que se tratava apenas de uma “marolinha” , uma crise do setor imobiliário americano e que não iria causar grandes estragos na economia brasileira.

Infelizmente mister Lula estava errado na sua analise - ou melhor o presidente tinha noção do que estava por vir , mas como o Brasil é o paraíso da especulação financeira e tem sua “estabilidade” econômica dependente do humor dos especuladores , tinha que dizer alguma coisa para tranqüiliza-los.

dono da maior taxa de juros do mundo - que se mantém nos atuais níveis devido o grande poder das oligarquias financeira que atualmente controla 80% dos títulos da divida publica e arrecadam cerca de 100 bilhões de reais de juros anualmente – e campeão na falta de controle de capitais, o brasil começa a perceber que a crise não é somente uma “marolinha” e sim um grande tsunami, que estar causando falências e bastante desemprego. apenas no mês de dezembro foram demitidos segundo o ministério do trabalho 1milão e meio de trabalhadores e 654.946mil postos de trabalho foram fechados , numero recorde desde 1993 .Esses números superam os dos EUA que no mesmo periodo foram fechados 524mil postos de trabalho.

diante da atual conjuntura o banco central brasileiro diminuiu em 1 ponto percentual a taxa básica de juros (Selic-sistema especial de liquidação e custódia) que atualmente paira em 12,75% ao ano na “esperança” de reaquecer a economia e recuperar as antigas taxas de lucro.

“todos nos sabemos” que atual crise não é uma crise meramente financeira e que não vai ser resolvida apenas com algumas alterações nas variáveis macroeconômicas, como diz o professor e economista José Martins:”Para eles a crise econômica capitalista é um problema apenas econômico , um problema técnico e passageiro que sempre pode ser consertado com controle das variáveis macroeconômicas e novas modalidades de regulação estatal ou privada”.


para ficar por dentro da cise veja os sites :

pstu.org.br '

citicasemanal.org


sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

FRANÇOIS CHESNAIS:-O capitalismo tentou romper seus limites históricos e criou um novo 1929, ou pior


A tese que vou apresentar defende que no ano passado produziu-se uma verdadeira ruptura, que deixa para trás uma longa fase de expansão da economia capitalista mundial; e que essa ruptura marca o início de um processo de crise com características que são comparáveis à crise de 1929, ainda que venha a desenvolver-se num contexto muito diferente.

A primeira coisa que é preciso recordar é que a crise de 1929 se desenvolveu como um processo: um processo que começou em 1929, mas cujo ponto culminante se deu bastante depois, em 1933, e que logo abriu caminho a uma longa fase de recessão. Digo isto para sublinhar que, na minha opinião, estamos a viver as primeiras etapas, mas realmente as primeiras, primeiríssimas etapas de um processo dessa amplitude e dessa temporalidade. E que o que nestes dias está acontecendo e tem como cenário os mercados financeiros de Nova York, de Londres e de outros grandes centros bolsistas, é somente um aspecto - e talvez não seja o aspecto mais importante - do que se deve interpretar como um processo histórico.

Estamos diante de um desses momentos em que a crise vem exprimir os limites históricos do sistema capitalista. Não se trata de alguma versão da teoria da "crise final" do capitalismo, ou algo do estilo. Do que sim se trata, na minha opinião, é de entender que estamos confrontados com uma situação em que se exprimem estes limites históricos da produção capitalista. Não quero parecer um pastor com a sua Bíblia marxista, mas quero ler-vos uma passagem de O Capital:

"O verdadeiro limite da produção capitalista é o próprio capital; é o fato de que, nela, são o capital e a sua própria valorização que constituem o ponto de partida e a meta, o motivo e o fim da produção; o fato de que aqui a produção é só produção para o capital e, inversamente, não são os meios de produção simples meios para ampliar cada vez mais a estrutura do processo de vida da sociedade dos produtores. Daí que os limites dentro dos quais tem de mover-se a conservação e a valorização do valor-capital, a qual descansa na expropriação e na depauperção das grandes massas de produtores, choquem constantemente com os métodos de produção que o capital se vê obrigado a empregar para conseguir os seus fins e que tendem para o aumento ilimitado da produção, para a produção pela própria produção, para o desenvolvimento incondicional das forças produtivas do trabalho. O meio empregado - desenvolvimento incondicional das forças sociais produtivas - choca constantemente com o fim perseguido, que é um fim limitado: a valorização do capital existente. Por conseguinte, se o regime capitalista de produção constitui um meio histórico para desenvolver a capacidade produtiva material e criar o mercado mundial correspondente, envolve ao mesmo tempo uma contradição constante entre esta missão histórica e as condições sociais de produção próprias deste regime. (1)

Bom, certamente que há algumas palavras que hoje já não utilizamos, como "missão histórica"... Mas creio que o que vamos ver nos próximos anos vai dar-se precisamente na base de já ter sido criado em toda a sua plenitude esse mercado mundial intuído por Marx. Quer dizer, temos um mercado e uma situação mundial diferentes da de 1929, porque nessa altura países como a China e a Índia eram ainda semi-coloniais, enquanto que agora já não têm esse caráter; são grandes países que, mais além de terem um caráter combinado que requer uma análise cuidadosa, são agora participantes de pleno direito dentro de uma economia mundial única, uma economia mundial unificada num grau desconhecido até esta etapa da história. A citação pode ajudar-nos a entender o momento atual, e a crise que se iniciou precisamente neste marco de um só mundo.

Um novo tipo de crise
Na minha opinião, nesta nova etapa, a crise vai desenvolver-se de tal modo que as primeiras e realmente brutais manifestações da crise climática mundial vão combinar-se com a crise do capital enquanto tal. Entramos numa fase em que se coloca realmente uma crise da humanidade, dentro de complexas relações nas quais se incluem também os acontecimentos bélicos, mas o mais importante é que, mesmo excluindo a explosão de uma guerra de grande amplitude que, no presente momento, só podia ser uma guerra atómica, estamos confrontados com um novo tipo de crise, com uma combinação desta crise econômica, que começou, com uma situação na qual a natureza, tratada sem a menor contemplação e atacada pelo homem no marco do capitalismo, reage agora de forma brutal. Isto é uma coisa quase excluída das nossas discussões, mas que vai impor-se como um fato central.

Por exemplo, muito recentemente, lendo o trabalho de um sociólogo francês, fiquei a saber que os glaciares andinos dos quais flui a água com que se abastecem La Paz e El Alto estão esgotados em mais de 80%, e estima-se que dentro de 15 anos La Paz e El Alto não vão ter água... e, no entanto, isto é algo que nunca foi tratado, nunca se discutiu um fato de tamanha magnitude que pode fazer com que a luta de classes na Bolívia, tal como a conhecemos, mude substancialmente - por exemplo fazendo com que a tal controversa mudança da capital para Sucre se imponha como uma coisa "natural", porque acabou a água em La Paz.

Estamos entrando num período desse tipo e o problema é que quase não se fala disso, enquanto que nos ambientes revolucionários continuam a discutir-se coisas que neste momento são minúcias, questões completamente mesquinhas em comparação com os desafios que temos pela frente.

Limites imanentes do capitalismo
Para continuar com a questão dos limites do capitalismo, quero chamar a atenção para uma citação de Marx, imediatamente anterior à já citada: "A produção capitalista aspira constantemente a superar estes limites imanentes a ela, mas só pode superá-los recorrendo a meios que voltam a levantar diante dela estes mesmo limites, e ainda com mais força". (2) Esta indicação introduz-nos a análise e a discussão dos meios a que se recorreu, durante os últimos 30 anos, para superar os limites imanentes do capital.

Esses meios foram, em primeiro lugar, todo o processo de liberalização das finanças, do comércio e do investimento, todo o processo de destruição das relações políticas surgidas na raíz da crise de 29 e dos anos 30, depois da Segunda Guerra Mundial e das guerras de libertação nacional... Todas essas relações, que exprimiam o domínio do capital mas representavam ao mesmo tempo formas de controle parcial do mesmo capital, foram destroçadas e, por algum tempo, pareceu ao capital que com isto ficavam superados os limites postos à sua atuação.

A segunda forma que se escolheu para superar esses limites imanentes do capital foi recorrer, numa escala sem precedentes, à criação de capital fictício e de meios de crédito para ampliar uma procura insuficiente no centro do sistema.

E a terceira forma, a mais importante historicamente para o capital, foi a reincorporação, enquanto elementos plenos do sistema capitalista mundial, da União Soviética e seus "satélites", e da China.

Só no marco das resultantes destes três processos é possível captar a amplitude e a novidade da crise que se inicia.

Liberalização, mercado mundial, competição... Comecemos por nos interrogar sobre o que significou a liberalização e a desregulação levadas a cabo à escala mundial, com a incorporação do antigo "campo" soviético e a incorporação e a modificação das relações de produção na China... O processo de liberalização e desregulação significou o desmantelamento dos poucos elementos reguladores que se tinham construído no marco internacional ao sair da Segunda Guerra Mundial, para entrar num capitalismo totalmente desregulamentado. E não só desregulamentado, como também um capitalismo que criou realmente o mercado mundial no pleno sentido do termo, convertendo em realidade o que era em Marx uma intuição ou antecipação. Pode ser útil precisar o conceito de mercado mundial e ir talvez mais além da palavra mercado.

Trata-se da criação de um espaço livre de restrições para as operações do capital, para produzir e realizar mais-valias, tomando este espaço como base e processo de centralização de lucros à escala verdadeiramente internacional. Esse espaço aberto, não homogêneo mas com uma redução drástica de todos os obstáculos à mobilidade do capital, essa possibilidade para o capital de organizar à escala universal o ciclo de valorização, está acompanhado de uma situação que permite pôr em competição entre si os trabalhadores de todos os países. Quer dizer, sustenta-se no fato de o exército industrial de reserva ser realmente mundial e de ser o capital como um todo que rege os fluxos de integração ou de repulsão, nas formas estudadas por Marx.

Este é então o marco geral de um processo de "produção para a produção" em condições em que a possibilidade de a humanidade e as massas do mundo acederem a essa produção é totalmente limitada... e, portanto, torna-se cada vez mais difícil o encerramento com êxito do ciclo de valorização do capital, para o capital no seu conjunto, e para cada capital em particular. E por isso se ampliam e se fazem mais determinantes no mercado mundial "as leis cegas da competição". Os bancos centrais e os governos podem proclamar que vão pôr-se de acordo entre si e colaborar para impedir a crise, mas não creio que se possa introduzir a cooperação no espaço mundial convertido em cenário de uma tremenda competição entre capitais.

E agora, a competição entre capitais vai muito mais além das relações entre os capitais das partes mais antigas e mais desenvolvidas do sistema mundial, com os sectores menos desenvolvidos do ponto de vista capitalista. Porque sob formas particulares e inclusive muito parasitárias, no marco mundial deram-se processos de centralização do capital por fora do marco tradicional dos centros imperialistas: em relação com eles, mas em condições que também introduzem algo totalmente novo no marco mundial.

Durante os últimos 15 anos, e em particular durante a última etapa, desenvolveram-se, em determinados pontos do sistema, grupos industriais capazes de integrar-se como sócios de pleno direito nos oligopólios mundiais. Tanto na Índia como na China constituíram-se verdadeiros e fortes grupos econômicos capitalistas. E, no plano financeiro, como expressão do rentismo e do parasitismo puro, os chamados Fundos Soberanos converteram-se em importantes pontos de centralização do capital sob a forma de dinheiro, que não são meros satélites dos Estados Unidos, têm estratégias e dinâmicas próprias e modificam de muitas maneiras as relações geopolíticas dos pontos-chave em que a vida do capital se faz e fará.

Por isso, outro elemento a ter em conta é que esta crise tem como outra de suas dimensões a de marcar o fim da etapa em que os Estados Unidos podiam atuar como potência mundial sem comparação... Na minha opinião, saímos do momento que analisava Mészáros no seu livro de 2001, e os Estados Unidos vão ser submetidos a uma prova: num prazo muito curto, todas as suas relações mundiais modificaram-se e terão, no melhor dos casos, de renegociar e reordenar todas as suas relações com base no facto de que têm de partilhar o poder. E isto, evidentemente, é algo que nunca aconteceu de forma pacífica na história do capital...

Então, primeiro elemento: um dos métodos escolhidos pelo capital para superar os seus limites transformou-se em fonte de novas tensões, conflitos e contradições, indicando que uma nova etapa histórica vai abrir caminho através desta crise.

Criação descontrolada de capital fictício
O segundo meio utilizado para superar os limites do capital das economias centrais foi que todas elas recorreram à criação de formas totalmente artificiais de ampliação da procura efectiva, as quais, somando-se a outras formas de criação de capital fictício, geraram as condições para a crise financeira que se desenvolve hoje. No artigo que os companheiros de Herramienta tiveram a gentileza de traduzir para o espanhol e publicar, abordei com alguma profundidade esta questão do capital fictício e as novas formas que se deram dentro do próprio processo de acumulação do capital fictício.

Para Marx, o capital fictício é a acumulação de títulos que são "sombra de investimentos" já feitos mas que, como títulos de bônus e de ações, aparecem com o aspecto de capital aos seus detentores. Não o são para o sistema como um todo, para o processo de acumulação, mas são-no sim para os seus detentores e, em condições normais de fechamento de processos de valorização do capital, rendem aos seus detentores dividendos e juros. Mas o seu caráter fictício revela-se em situações de crise. Quando ocorrem crises de sobreprodução, falência de empresas, etc., descobre-se que esse capital não existia...

Por isso também pode ler-se às vezes nos jornais que tal ou qual quantidade de capital "desapareceu" nalgum tropeço bolsista: essas quantias nunca tinham existido como capital propriamente dito, apesar de, para os detentores dessas ações, representarem títulos que davam direito a dividendos e juros, a receber lucros...

Evidentemente, um dos grandes problemas de hoje é que, em muitíssimos países, os sistemas de aposentadoria estão baseados em capital fictício, com pretensões de participação nos resultados de uma produção capitalista que pode desaparecer em momentos de crise. Toda a etapa de liberalização e de globalização financeira dos anos 80 e 90 esteve baseada em acumulação de capital fictício, sobretudo em mãos de fundos de investimento, fundos de pensões, fundos financeiros... E a grande novidade desde finais ou meados dos anos 90 e ao largo dos anos 2000 foi, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha em particular, o impulso extraordinário que se deu à criação de capital fictício na forma de crédito.

De crédito a empresas, mas também e sobretudo de créditos às famílias, crédito ao consumo e sobretudo créditos hipotecários. E isso fez dar um salto na massa de capital fictício criado, dando origem a formas ainda mais agudas de vulnerabilidade e de fragilidade, inclusive diante de choques menores, inclusive diante de episódios absolutamente previsíveis. Por exemplo, com base em tudo estudado anteriormente, sabia-se que um boom imobiliário acaba; que inexoravelmente chega um momento em que, por processos muito bem estudados, termina; e, se pode até ser relativamente compreensível que no mercado de ações existisse a ilusão de que não havia limites para a alta no preço das acções, com base em toda a história anterior sabia-se que que isso não podia ocorrer no setor imobiliário: quando se trata de edifícios e de casas é inevitável que chegue o momento em que o boom acaba.

Mas colocaram-se em tal situação de dependência, que esse acontecimento completamente normal e previsível transformou-se numa crise tremenda. Porque a tudo o que já disse, juntou-se o fato de que durante os dois últimos anos os empréstimos eram feitos a famílias que não tinham a menor possibilidade de pagar. Além disso, tudo isso se combinou com as novas "técnicas" financeiras, permitindo-se assim que os bancos vendessem bônus em condições tais que ninguém podia saber exatamente o que estava a comprar... até a explosão dos subprime em 2007.

Agora estão desmontando este processo. Mas dentro dessa desmontagem, há processos de concentração do capital financeiro. Quando o Bank Of America compra o Merrill Lynch, estamos diante de um processo de concentração clássico. E vemos além disso estes processos de estatização das dívidas, que implicam na criação imediata de mais capital fictício. O Federal Reserve dos Estados Unidos cria mais capital fictício para manter a ilusão de um valor do capital que está à beira de desmoronar, com a perspectiva de ter, em algum momento dado, a possibilidade de aumentar fortemente a pressão fiscal, mas na realidade não pode fazê-lo porque isso significaria o congelamento do mercado interno e a aceleração da crise enquanto crise real.

Assistimos, pois, a uma fuga em frente que não resolve nada. Dentro desse processo existe também o avanço dos Fundos Soberanos, que procuram modificar a repartição intercapitalista dos fluxos financeiros a favor dos sectores rentistas que acumularam estes fundos. E isto é um fator de perturbação ainda maior no processo.

Quero recordar, para terminar este ponto, que esse déficit comercial de cinco pontos do PIB é o que confere aos Estados Unidos a particularidade desse lugar-chave para a concretização do ciclo do capital no momento da realização da mais-valia, para o processo capitalista no seu conjunto.

Confrontados agora com uma quase inevitável retração econômica, coloca-se como a grande interrogação se, num curto prazo, a procura interna chinesa poderá passar a ser o lugar que garanta esse momento de realização da mais-valia que se dava nos Estados Unidos. A amplitude da intervenção do Tesouro é muito forte e conseguiu que a contração da atividade nos EUA e a queda das importações tenha sido até agora muito limitada. O problema é saber quanto tempo se poderá ter como único método de política econômica criar mais e mais liquidez... Será possível que não haja limites à criação de capital fictício sob a forma de liquidez para manter o valor do capital fictício já existente? Parece-me uma hipótese demasiado otimista, e entre os próprios economistas norte-americanos, muitos duvidam.

Super-acumulação na China?
Para terminar, chegamos à terceira maneira pela qual o capital superou os seus limites imanentes, que é definitivamente a mais importante de todas e levanta as interrogações mais interessantes. Refiro-me à extensão, em particular para a China, de todo o sistema de relações sociais de produção do capitalismo. Algo que Marx mencionou nalgum momento como possibilidade, mas que só se fez realidade durante os últimos anos. E realizou-se em condições que multiplicam os fatores de crise.

A acumulação do capital na China fez-se com base em processos internos, mas também com base em algo que está perfeitamente documentado, mas pouco comentado: a transferência de uma parte importantíssima do Setor II da economia, o setor da produção de meios de consumo, dos Estados Unidos para a China. E isto tem muito a ver com o grosso dos déficits norte-americanos (o déficit comercial e o fiscal), que só poderiam reverter-se por meio de uma "reindustrialização" dos Estados Unidos.

Isto significa que se estabeleceram novas relações entre os Estados Unidos e a China. Já não são as relações de uma potência imperialista com um espaço semicolonial. Os Estados Unidos criaram relações de um novo tipo, que agora têm dificuldades de reconhecer e de assumir. Com base no superávit comercial, a China acumula milhões e milhões de dólares, que logo empresta aos Estados Unidos. Temos uma ilustração das consequências que isto traz com a nacionalização dessas duas entidades chamadas Fannie Mae e Freddy Mac: ao que parece, a banca da China tinha 15% dos fundos dessas duas entidades e comunicou ao governo americano que não aceitaria a sua desvalorização. São relações internacionais de tipo completamente novo.

Mas que ocorre no seio da própria China? É a questão mais decisiva para a próxima etapa da crise. Na China deu-se internamente um processo de competição entre capitais, que se combinou com processos de competição entre sectores do aparelho político chinês, e de competição para atrair empresas estrangeiras; tudo isso resultou num processo de criação de imensas capacidades de produção, além de violentar a natureza numa escala enorme: na China concentra-se uma super-acumulação de capital que num momento dado se tornará insustentável.

Na Europa, é evidente a tendência a uma aceleração da destruição de capacidades produtivas e de postos de trabalho, para transferir-se para o único paraíso do mundo capitalista que é a China. Considero que esta transferência de capitais para a China significou uma reversão de processos anteriores de uma alta da composição orgânica do capital. A acumulação é intensiva em meios de produção e é intensiva e muito delapidadora da outra parte do capital constante, quer dizer, das matérias primas. A maciça criação de capacidades de produção no Setor I foi acompanhada por todos os mecanismos e o impulso que caracterizam o crescimento da China, mas o mercado final para sustentar toda essa produção é o mercado mundial, e uma retração deste colocará em evidência essa super-acumulação do capital.

Alguém como Aglietta, que estudou isto especificamente, afirma que realmente há super-acumulação, há um processo acelerado de criação produtiva na China, um processo que, no momento em que terminar - e tem de terminar - a realização de toda essa produção vai levantar problemas. Além disso, a China é realmente um lugar decisivo, porque até pequenas variações na sua economia determinam a conjuntura de muitos outros países no mundo. Foi suficiente que a procura chinesa por bens de investimento caísse um pouco, para que a Alemanha perdesse exportações e entrasse em recessão. As "pequenas oscilações" na China têm repercussões fortíssimas noutros lugares, como deveria ser evidente no caso da Argentina.

Para continuar a pensar e a discutir
E regresso ao que disse no início. Ainda que sejam comparáveis, as fases desta crise serão diferentes das de 29, porque naquela época a crise de superprodução dos Estados Unidos verificou-se desde os primeiros momentos. Depois aprofundou-se, mas soube-se de imediato que se estava diante de uma crise de superpodução. Agora, em contrapartida, estão adiando esse momento com diversas políticas, mas não vão poder fazê-lo muito mais.

Simultaneamente, e como ocorreu também na crise de 29 e nos anos 30, ainda que em condições e sob formas diferentes, a crise combinar-se-á com a necessidade, para o capitalismo, de uma reorganização total da expressão das suas relações de forças econômicas no marco mundial, marcando o momento no qual os Estados Unidos verão que a sua superioridade militar é somente um elemento, e um elemento bastante subordinado, para renegociar as suas relações com a China e outras partes do mundo. Ou vai chegar o momento no qual dará o salto para uma aventura militar de consequência imprevisíveis.

Por tudo isto, concluo que vivemos muito mais que uma crise financeira, mesmo estando agora nessa fase. Estamos diante de uma crise muitíssimo mais ampla. Ora bem, tenho a impressão, pelo tom das diferentes perguntas e observações que me fizeram, que muitos são da opinião que estou a pintar um cenário de tipo catastrofista, de desmoronamento do capitalismo... Na realidade, creio que estamos diante do risco de uma catástrofe, mas já não do capitalismo, e sim de uma catástrofe da humanidade. De certa forma, se tomarmos em conta a crise climática, possivelmente já existe algo assim...

A minha opinião (junto com Mészáros, por exemplo, mas somos muito poucos os que damos importância a isto) é que estamos diante de um perigo iminente. O dramático é que, de momento, isto afeta diretamente populações que não são levadas em conta: o que está ocorrendo no Haiti parece que não tem a menor importância histórica; o que acontece em Bangladesh não tem peso mais além da região afetada; muito menos o que acontece na Birmânia, porque o controle da Junta militar impede que ultrapasse as suas fronteiras. E o mesmo na China: discutem-se os índices de crescimento, mas não as catástrofes ambientais, porque o aparelho repressivo controla as informações sobre as mesmas.

E o pior é que essa "opinião", que é constantemente construída pelos meios de comunicação, está interiorizada muito profundamente, inclusive em muitos intelectuais de esquerda. Tinha começado a trabalhar e a escrever sobre tudo isto, mas com o começo desta crise, de alguma forma tive de voltar a ocupar-me das finanças, ainda que não o faça com muito gosto, porque o essencial parece-me que se joga num plano diferente.

Para terminar: o fato de que tudo isto ocorre depois desta fase tão larga, sem paralelo na história do capitalismo, de 50 anos de acumulação ininterrupta (salvo um pequeníssima ruptura em 1974/1975), assim como também tudo o que os círculos capitalistas dirigentes, e em particular os bancos centrais, aprenderam da crise de 29, tudo isso faz com que a crise avance de maneira bastante lenta.

Desde setembro do ano passado, o discurso dos círculos dominantes vem afirmando, uma e outra vez, que "o pior já passou", quando o certo é que, uma e outra vez, "o pior" estava por vir. Mas insisto no risco de minimizar a gravidade da situação, e sugiro que nas nossas análises e na forma de abordar as coisas deveríamos incorporar a possibilidade, no mínimo a possibilidade, de que inadvertidamente estejamos também interiorizando esse discurso de que, definitivamente, "não acontece nada"...

* François Chesnais é economista, faz parte do Conselho Científico do ATTAC-França, é diretor de Carré Rouge e membro do conselho consultivo da revista Herramienta, com a qual colabora assiduamente.


Esta apresentação foi realizada no encontro organizado pela revista argentina "Herramienta" em 18 de Setembro de 2008. A transcrição e preparação para a sua publicação é de Aldo Casas.

Versão publicada no portal Esquerda.Net. Tradução para o português: Luis Leiria (Esquerda.Net)

(1) Karl Marx, El capital México, FCE, 1973, Vol. III, pág. 248.

(2) Idem.

(3) "El fin de un ciclo. Alcance y rumbo de la crisis financiera", en Herramienta Nº 37, marzo 2008.